1. A Ideologia Alemã de Karl Marx e Friedrich Engels, obra começada a redigir na Primavera de 1845, em Bruxelas, apresenta o seguinte subtítulo: Crítica da Filosofia alemã mais recente na pessoa dos seus representantes Feuerbach, Bruno Bauer e Stirner, e do socialismo alemão na dos seus diferentes profetas.
Centrar-nos-emos no primeiro capítulo que se ocupa de Feuerbach ou, mais precisamente, da oposição das concepções materialista e idealista. Antes, derivo para um excurso breve, abrangendo dois tópicos introdutórios.
Artigo de Carlos Aboim Inglez escrito para o Diário de Notícias de 10 de Março de 1983, na passagem do centenário da morte de Karl Marx (14 de Março de 1883)
1. Não haverá hoje quem, minimamente culto e honesto, não reconheça em Karl Marx, sobre cuja morte passam, a 14 de Março, cem anos, um dos maiores pensadores de toda a história da Humanidade, um cientista de rara profundidade, envergadura enciclopédica, rigor intelectual e previsão genial. E também dificilmente alguém negará ter sido Marx um dos homens que, pela força do seu pensamento, mais ainda, que pela sua aliás notável actividade prática, maior influência exerceu sobre a vida ulterior da Humanidade.
Inclusive aqueles que hoje negam a validade do marxismo, os que o combatem, ou que combatem as forças sociais, políticas e intelectuais que o encarnam e continuam, mesmo esses usam-no, utilizam o marxismo, ou conhecimentos, conceitos, teorias de raiz marxista. E não é isto qualquer paradoxal contradição, nem sequer plágio consciente. Para uns, sendo o marxismo verdade, da verdade se têm de socorrer, mesmo negando-a e ocultando-a, para agirem eficazmente na prossecução dos seus interesses. Mas para outros, para todos, para a grande massa, do que se trata é que muito do que Marx descobriu e formulou se difundiu de tal forma (com a expansão e desenvolvimento do marxismo) que passou já hoje ao património do próprio senso comum e ao acervo do conhecimento científico mais generalizado.
Na convicção de que é possível expor abreviadamente o que não é simples nem breve, apresento a seguir um conjunto limitado de questões e temas marcantes do âmbito do materialismo histórico, ou concepção materialista da história.
Leia-se, contudo, neste mesmo número de «O Militante», o passo de Engels sobre o que «o filisteu entende por materialismo», tanto mais que hoje, como há cento e vinte anos (esse texto data de 1888), não pouca gente continua activamente interessada na difamação do materialismo e do seu significado.
1. Em filosofia, em ciência (e, por extensão, na esfera ideológica em geral), o materialismo constitui desde há milhares de anos uma das duas linhas fundamentais do pensamento humano. A outra, como se sabe, é constituída pelo idealismo. Embora com variantes, com diversos nomes e até com disfarces ao longo do tempo, admite-se que o materialismo, como maneira filosófica de pensar, só recebeu o seu nome actual na Inglaterra da segunda metade do século XVII, em meio cultural adverso, entre os platónicos de Cambridge. Estes combatiam, em parte, o racionalismo de Descartes e, principalmente, o grande materialista inglês Thomas Hobbes. Desde então, a palavra e o conceito entraram rapidamente na circulação internacional e alargaram-se à luta entre concepções do mundo até aos nossos dias.