Ao fim de mais de três meses de luta incessante contra a reforma laboral, sete organizações sindicais realizaram, dia 14, uma enorme manifestação na capital francesa.
A jornada nacional de luta teve Paris como palco principal, onde cerca de um milhão de pessoas desfilaram entre a Praça de Itália e o Palácio dos Inválidos (1,3 milhões em toda a França, de acordo com os números dos sindicatos).
«Aqui está, em todo o seu esplendor, a resposta do capitalismo à sua crise, agora na pátria da Comuna de Paris, mas que é o exemplo do que vai por essa Europa fora – mais exploração, mais empobrecimento, mais concentração e acumulação da riqueza nos mesmos.
Os trabalhadores franceses são, pois, nesta batalha titânica, merecedores de toda a solidariedade dos trabalhadores de todo o mundo.»
«No entanto, prossegue o texto, o governo «está obstinado em não abrir mão da lei [do trabalho], em particular no que respeita ao primado dos acordos de empresa sobre os acordos sectoriais e a lei geral, à chantagem, por meio de acordos, sobre a manutenção e criação de postos de trabalho, aos referendos de empresas, à facilitação dos despedimentos».
Os sindicatos frisam que estes são os pontos que estão no coração da luta e a razão pela qual exigem a retirada do projecto e o início de negociações.
As centrais sindicais lembram ainda que aguardam, desde 20 de Maio, resposta ao pedido de audiência com o presidente da República.»
«Acontece que Paris já se encontrava em polvorosa, antes de o Sena se armar em Amazonas gaulês. A capital francesa (e todo o país, em geral) está em convulsão há mais de dois meses, numa luta em crescendo contra a decisão protagonizada pessoalmente pelo presidente François Hollande, que pretende impor a desregulamentação laboral a toda a brida (além de desabridamente) com uma nova Lei do Trabalho, que o governo já aprovou por decreto, tal é a pressa.»
Nada disto é inacreditável porque tudo neste Governo é possível, desde que não tenha a ver com honestidade, princípios, ética ou elementar democracia. O relaxo é tanto que a mentira circula como o sangue deste Executivo, já ninguém se parece importar com as contradições flagrantes, os desmentidos em cascata, as mentiras desavergonhadas, a incorência dos discursos, a óbvia e total ausência de escrúpulos a que reduziram o acto governativo.
Todavia, como o escorpião na boleia do sapo, continua a envenenar o País, ora fechando mais um centro de tratamentos continuados, ora legislando subtis alíneas que permitem às Finanças cobrar coercivamente dívidas de empresas privadas, e etc.
O escorpião picou o sapo apenas por feitio, mas o Governo envenena o País por convicto reaccionarismo.
O Governo de Passos Coelho parece já andar à deriva, tantas são as gaffes, os desmentidos e as decisões contraditórias. Para percebermos a situação, há que recuar.
A actual «crise» capitalista emergiu com a «crise do sub-prime» nos EUA, que desembocou, de imediato, na canalização de rios de dinheiro dos povos para tapar o «buraco» – tão desmedido como insondável – aberto pela especulação mundial sem freio.
Deste desastre capitalista não resultou a mínima consequência para os seus responsáveis – os grandes especuladores financeiros das Bancas e das Bolsas –, chegando-se ao desplante de reconduzir nos seus altos cargos (e remunerações) a generalidade dos banqueiros responsáveis que, exibindo a sua fibra, a primeira coisa que fizeram, após «recondução», foi abotoarem-se com mais uma data de milhões para si próprios.
Milhões, diga-se, directamente extorquidos aos respectivos povos em forma dos tais rios de dinheiros públicos canalizados para que o sistema «não entrasse em colapso».
Para tal, reconduziu-se os que... têm levado o «sistema» a esse colapso.
A única mudança visível do capitalismo nesta conjuntura foi reagir com uma brutal agressividade sobre os povos, procurando recuperar os superlucros perdidos e, assim, desencadear um ataque generalizado aos direitos, liberdades e garantias dos povos.
E a armadilha foi-se urdindo.
Após a incomensurável «bolha» do sub-prime ter rebentado, duas coisas se fizeram no imediato: uma, apresentá-la como o «fim do mundo» se não fossem tomadas «medidas»; outra, propor como «medidas» o despejar de rios de dinheiros públicos para «tapar o buraco».
Posto isto, chegou-se a um novo patamar, o das «dívidas públicas», uma forma ainda mais generalizada de espoliar os povos, garrotando os mais fracos e vulneráveis através de «ajudas externas» com duas concomitantes consequências: uma, encher à tripa-forra os cofres dos especuladores com juros vampirescos sobre o dinheiro «emprestado» (a Alemanha e súbditos pontificam na UE), outra, espoliar povos inteiros de direitos básicos e fundamentais, como o direito ao trabalho e à segurança no emprego, ao salário digno, à protecção social, à Saúde, ao Ensino, ao descanso e ao lazer, à reforma adequada.
Tudo caucionado pela tal «crise», qual maremoto incontrolável e que, por isso, parece permitir todos os desmandos a quem ordena – a finança e os grandes especuladores – e a quem procura executar esse comando – os governos nacionais que sejam títeres desta pretensa nova ordem mundial.
É o caso flagrante do Governo de Passos Coelho, cuja rota ondulando em avanços e recuos, afirmações e desmentidos tem apenas uma linha concreta e objectiva: destruir, o mais depressa e o mais completamente possível, a generalidade das conquistas democráticas e sociais alcançadas com o 25 de Abril.
É claro que, mais tarde ou mais cedo, aqui e no mundo, tudo isto vai dar um grande estoiro.
Está escrito nas estrelas, como dizia o outro...
In jornal "Avante!" - Edição de 12 de Abril de 2012
Ignacio Ramonet, director do Le Monde Diplomatique, afirmou numa edição deste mês que «por ano, a economia real (empresas de bens e de serviços) cria em todo o mundo uma riqueza (PIB) estimada em 45 biliões de euros (45 milhões de milhões). Concomitantemente, também à escala planetária e na esfera financeira, os ditos “mercados” movem capitais na ordem dos 3450 biliões de euros. Ou seja, 75 vezes o que produz a economia real...».
O que primeiro ocorre é perguntar como pode o sistema capitalista sobreviver, indefinidamente, com esta inacreditável «bolha» financeira 75 vezes superior ao PIB mundial.
Mas a quem se pergunte como foi possível tamanha hipertrofia, convém recordar a natureza do bicho. O capitalismo tem uma regra de ouro – o lucro é o seu objectivo central. Por outro lado, a actividade produtiva que há muito gira na grande roda financeira, que tudo faz mover, incluindo os capitais, não garante indefinidamente tal desiderato. Mas como os capitais têm sempre de «ser remunerados» (em função da tal «regra de ouro»), a tentação de fazer deles a fonte central dos lucros é muito grande, sobretudo quando os negócios com a «economia real» começam a claudicar por outra «falha» mortal do sistema – a falta ou o «saturamento» dos mercados. E é por isso que os capitais foram transformados eles próprios num «produto» transaccionável em busca de elevados rendimentos perdidos na produção material.
Resumidamente, está aqui a grelha da actual crise: o mergulho suicida do sistema capitalista ocidental na especulação financeira para cobrir a falta de rentabilidade na economia real, praticando durante décadas um crescendo especulativo tão vertiginoso, que se chegou a este absurdo mortal de fazer circular nos «mercados» capitais que já correspondem a 75 vezes o PIB mundial.
Obviamente, tão desmedida «bolha» especulativa tinha de rebentar, o que aconteceu com a «crise do sub-prime». Já sabemos o que decorreu: os governos (com os EUA de Obama à cabeça) canalizaram rios de dinheiro dos seus povos para tapar este «buraco» desmedido e mantiveram o sistema intocável.
Resultado: a especulação e o «jogo dos mercados» continuaram alegremente, com novas aliciantes: o desastre da bolha especulativa foi-nos apresentado como a razão da «crise», os governos – mandatários, como sempre, dos interesses do grande capital – trataram de converter a «crise» num óptimo pretexto para espoliar os respectivos povos de direitos adquiridos e os «mercados» atiraram-se vorazmente ao negócio das «dívidas públicas», onde pontificam os próprios bancos europeus que, concomitantemente, «emprestam» e sacam juros delirantes aos «parceiros» da UE em dificuldades com o défice.
Num quadro assim, tudo está por um fio: a moeda única, a União Europeia e o próprio sistema capitalista, nesta insustentável burla de especular com capitais que correspondem a 75 PIB mundiais.
Também, num quadro assim, torna-se cada vez mais intolerável e inadmissível o ataque em curso contra os trabalhadores e o povo, por um Governo reaccionário que se escuda nesta periclitante conjuntura para tentar «limpar», do País, quaisquer resquícios do Portugal de Abril.
(sublinhados meus)
In jornal «Avante!» - Edição de 15 de Dezembro de 2011
«Deve ser recusado o registo de uma marca se esta for contrária à ordem pública e aos bons costumes numa parte da União», lê-se no acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia.