A alternância é uma estratégia, estratagema político bem conhecido dos povos, bem sintetizado na expressão «mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma»! Nos sistemas políticos democráticos (nas democracias burguesas) é a forma de assegurar a manutenção da mesma política, nas suas opções estratégicas, eixos estruturantes e medidas, ou seja, o serviço dos mesmos interesses de classe, através da mudança de composição dos titulares do governo, via substituição do partido (ou coligação) que assume o governo e que, anteriormente, era oposição.
Tem sido assim em Portugal nestes quase 40 anos de regime democrático conquistado pela Revolução de Abril.
A alternância tem um objectivo central: negar a alternativa, isto é, que haja uma efectiva alteração de política(s)! E a negação da alternativa exige a «fabricação» da «alternância»!
O capitalismo tem assumido no tempo e no espaço diferentes formas de existência e os seus ideólogos nunca falaram a uma só voz. E se há tempos de grande unanimismo e «pensamento único» como aconteceu nos anos de celebração triunfalista das trágicas derrotas do socialismo, outros há em que a crise do capitalismo e o desenvolvimento da luta de classes alimentam divergências reais no seio da classe dominante, nomeadamente entre as duas grandes correntes históricas que a sustentam, a «liberal/conservadora» e a «social-democrata/keynesiana».
Perante a instabilidade e a incerteza do quadro internacional, a perspectiva de um longo período de recessão económica e a possibilidade de um novo crash ainda mais destruidor, é essa a situação actual.Muitos se apercebem que a hegemonia do grande capital financeiro e especulativo, as violentas políticas de «austeridade» conduzidas pelo FMI e pela UE, a manipulação da espiral da dívida para estrangular o desenvolvimento e provocar o empobrecimento de países soberanos, o desemprego em massa e a falta de medidas para o combater, o aprofundamento das desigualdades, tudo isto não só contraria o objectivo da recuperação económica como leva no bojo inevitáveis explosões de descontentamento social com o questionamento dos próprios fundamentos da ordem capitalista.
A controvérsia sobre o Serviço Público (SP) de televisão, desencadeada pela decisão do Governo de desmantelar a RTP (Rádio e Televisão de Portugal) e, nomeadamente, privatizar pelo menos um dos canais de televisão (assim como a Lusa), passou, em grande parte, ao lado do essencial: o que é e para que serve um SP de televisão? Qual o significado do SP nos media, no quadro da sociedade em que vivemos?
E, no entanto, esta é uma questão incontornável e urgente que se insere no debate sobre a realidade social e sobre o próprio futuro da democracia.
Em entrevista ao Avante!, o Secretário-geral do PCP realçou a vitalidade do colectivo partidário na preparação do XVIII Congresso do PCP e expressou a convicção profunda de que o socialismo é uma possibilidade real e a mais sólida perspectiva de evolução da humanidade.
Avante! – Em todos os seus congressos, o Partido deu resposta a importantes questões com que se deparava nas diferentes épocas... A que questões terá obrigatoriamente o XVIII Congresso de responder?
Jerónimo de Sousa – O lema «Por Abril, pelo Socialismo – um Partido mais forte» é a melhor síntese dos objectivos do Congresso. Partindo das nossas próprias análises, decidiremos as nossas orientações no plano nacional e internacional. Mas o Partido – o seu reforço por via do conceito integrado de mais organização, mais intervenção – constituirá a pedra angular do XVIII Congresso, assumido como questão central e transversal nas Teses / Projecto de Resolução Política.
Como avalias a evolução da situação política e social do País nos últimos quatro anos?
Chamo a atenção para o capítulo da situação nacional. Partindo de uma análise rigorosa do que foi e é a acção política do Governo do PS, sustentados na realidade económica e social do País, verificamos que o País está mais injusto e desigual, mais endividado e menos soberano. É verdade que a ofensiva e as políticas de direita já duram há três décadas. Mas este Governo deu-lhe uma dimensão mais global.
Estamos perante o fracasso da requentada alternância sem alternativa. E nas Teses demonstramos que há política alternativa e alternativa política. Não ficaremos à espera de que esta política e os seus executantes caiam de maduros. Os trabalhadores, o povo e o País exigem a ruptura e a mudança desta política. No entanto, sem avaliação e análise ficaria só a afirmação.
E a nível internacional? Nas Teses, reafirma-se a convicção – expressa já no XVII Congresso – de que «grandes perigos» coexistem com «reais potencialidades de desenvolvimento progressista e mesmo revolucionário». A vida provou esta nossa tese?
A evolução da situação internacional, a crise do capitalismo, os terríveis efeitos que resultaram dos traços fundamentais da sua natureza opressora, exploradora, que usa o militarismo e a guerra quando se confronta com a resistência e a luta dos trabalhadores e dos povos, cria uma situação complexa com grandes incertezas nos seus desenvolvimentos. Mas estarás de acordo que aquelas profecias do fim da história, do capitalismo como fase actual e terminal da humanidade, sofreu um profundo abalo.
Sem dúvida devido a factores objectivos, mas também porque há forças que resistem, trabalhadores que lutam, povos que não só defendem como conquistam soberania, colocando na ordem do dia a necessidade, possibilidade e urgência do socialismo como alternativa.
Têm grande significado os três pilares de análise que conduzem a essa conclusão: o materialismo histórico dialéctico, descoberta fascinante de Marx e Lénine; o significado histórico universal da Revolução de Outubro no empreendimento primeiro de uma nova sociedade na URSS e demais experiências históricas do socialismo; e a análise do sistema capitalista e das suas tendências de desenvolvimento.
A luta de massas tem sido vigorosa, atingindo níveis só comparáveis aos de há mais de vinte anos. De que forma pode isto condicionar positivamente o rumo da política nacional?
Lembrar-te-ás, aqui há 4 anos, atrás das teses em voga, da desnecessidade e ineficácia da luta de massas, logo da desvalorização da luta sindical, dos próprios sindicatos de classe e, consequentemente, do Partido de classe. Desde «politólogos» e sociólogos, passando pelo PS e até o BE – todos teorizaram sobre isso. Moderno era substituir a luta organizada dos trabalhadores e as suas organizações pela «nova» concepção «movimentista» e de resposta «espontânea e à peça».
As classes dominantes sempre tiveram consciência de que luta sempre houve e haverá. O que receiam é a luta organizada e os trabalhadores organizados no seu sindicato e no seu Partido. É evidente que estas teorias se sustentavam no facto de o PS ter alcançado a maioria dos votos dos trabalhadores que estariam neutralizados quanto à participação na luta. Quase sufocavam as teses das inevitabilidades e do fim da luta de classes, que essa coisa das manifestações organizadas estavam ultrapassadas...
Teses que acabariam por cair por terra...
A CGTP-IN lutou contra a corrente. A partir dos problemas concretos dos trabalhadores, sacudiu essa pressão, mobilizou e organizou a luta. O Partido, contra essa corrente dominante, travou com determinação importantes batalhas políticas e ideológicas com uma intervenção que rompeu com o conformismo, o desânimo, transformando o descontentamento em luta.
Confirmou-se que os trabalhadores foram a força propulsora da luta, animando outros sectores e camadas sociais. O próprio Partido, naquela inesquecível Marcha «Liberdade e Democracia», demonstrou a força e actualidade da luta.
Se seguíssemos os «conselhos» desses teorizadores, não se teriam realizado aquelas poderosas manifestações de massas de que as nossas Teses dão conta. Foram suficientes para derrotar a ofensiva? Não! Mas animada por aquela concepção de que «quando se luta nem sempre se ganha, mas que quando não se luta perde-se sempre», a luta obrigou a recuos, cortou o ritmo da ofensiva, fragilizou o Governo, permitiu acumular forças e dar confiança. Olhando a esta distância, também aqui se prova que resistir é já vencer!
«Só o socialismo pode responder às mais profundas aspirações dos trabalhadores e dos povos», lê-se a dada altura das Teses. De que forma o Congresso poderá contribuir para afirmar amplamente a alternativa do socialismo?
O mundo move-se! É um facto que o capitalismo tem tido uma capacidade de adaptação e de recuperação que não pode ser subestimada. Mas não pode fugir às suas insanáveis contradições e começam a definir-se os seus limites históricos.
Ganhou fôlego com as derrotas do socialismo e, através duma poderosa campanha, apresentou-se como sistema terminal e sem alternativa. Nos anos noventa, fez doutrina sobre o fim da história, o fim do comunismo e dos partidos comunistas, da luta de classes, das ideologias, o fim das revoluções.
Anunciaram e receitaram a globalização capitalista e o neoliberalismo, com a oferta da «terra prometida» de liberdade, de paz e de segurança internacional e o progresso social. Arrastaram consigo forças progressistas e social-democratas para a ideia de que o capitalismo só precisava de ser «mais civilizado» e «democratizado», transformando-as, nalguns casos, como acontece no nosso país, em instrumentos para a realização da sua política e ideologia.
Mas esta afirmação do capitalismo acabou por não ser assim tão simples...
Este triunfalismo durou pouco. Por razões da sua natureza, o capitalismo não só não foi capaz de corresponder aos interesses e aspirações dos trabalhadores e dos povos como acentuou a contradição entre as potencialidades fascinantes das conquistas da ciência e da técnica e as brutais regressões que flagelam a humanidade – o desemprego, a fome, a doença, o analfabetismo, as catástrofes ambientais. É cada vez maior o antagonismo entre o capital e o trabalho.
A pequena burguesia e camadas intermédias da população sofrem com o aumento da exploração e a proletarização; concentra-se e centraliza-se a riqueza; não há correspondência entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção capitalista, que surgem como bloqueio ao desenvolvimento e degradam e pervertem a sua utilidade social. A natureza predadora e exploradora do capitalismo cava a sua base de apoio...
Há, portanto, melhores condições para afirmar o socialismo?
O socialismo ressurge, assim, como uma necessidade histórica e objectiva, como solução racional para a superação e eliminação da desumana anarquia e concorrência capitalistas. A necessidade tem de acertar o passo com a possibilidade.
Nas Teses não formulamos um mero desejo. Antes expressamos a convicção profunda de que o socialismo é uma possibilidade real e a mais sólida perspectiva de evolução da humanidade.
O PCP assume, sempre, com os trabalhadores e com o povo, o seu papel e o seu lugar na sua luta pelo socialismo em Portugal.
Ampliar os avanços alcançados O reforço do Partido é fundamental
Como já falámos, o reforço do Partido surge como questão central neste Congresso, ao ponto de ter reflexo no próprio lema. Nas Teses, para além de se prestar muita atenção às questões da natureza e identidade do Partido, afirma-se ser este reforço uma «condição fundamental para a alternativa de esquerda»... Qual a centralidade que esta questão assume actualmente?
O conjunto de teses sobre a alternativa devem ser entendidas como um todo coerente e inseparável. Porque se insere no nosso projecto e programa de uma democracia avançada no limiar do século XXI que o Comité Central decidiu não alterar neste XVIII Congresso. Mas cada tese tomada por si tem como vértice e condição fundamental o reforço do Partido em diversas vertentes.
Damos valor intrínseco ao desenvolvimento da luta de massas, colocamos a política alternativa como alicerce de construção da alternativa política e a necessidade objectiva e subjectiva da convergência das forças sociais e políticas para essa construção. Temos a tese de que sem ruptura com esta política não há arrumação de forças que garantam com solidez uma alternativa de esquerda.
Temos o desenho todo? Não! Mas, também por isso, mais valor tem o reforço do PCP para encetar e construir uma solução que nunca será um acto mas um processo.
Os congressos são também um momento de prestação de contas. Que balanço se pode fazer dos avanços orgânicos desde o XVII Congresso do Partido?
Bom! Lembrar-te-ás também do que disseram, das profecias apocalípticas que fizeram durante a preparação e realização do XVII Congresso. Convidaram-nos a «escolher a árvore em que nos devíamos enforcar»: ou mudávamos abdicando da nossa natureza, projecto e ideologia, e lá iríamos vivendo, definhando; ou não mudávamos e morreríamos rapidamente.
Partindo da reafirmação da nossa natureza, identidade, princípios e projecto saímos do Congresso com a decisão de que sim, era possível um PCP mais forte. Com o objectivo de concretizar um audacioso avanço na agregação, funcionamento colectivo, estruturação e capacidade de intervenção.
O movimento geral de reforço da organização partidária passou a ser uma linha fundamental do trabalho das organizações e militantes do Partido. Os resultados traduzem-se no avanço mais significativo das últimas duas décadas.
O Comité Central do Partido, assumindo o seu papel de direcção superior do trabalho partidário expresso nas suas deliberações e orientações. Avançámos com a campanha de contactos e actualizámos os ficheiros permitindo verificar um apuramento de cerca de 59 mil militantes. Realizaram-se 630 assembleias de organização. Verificou-se um dos maiores recrutamentos dos últimos anos – mais de 7 mil novos militantes, com uma importante componente juvenil e um número elevado de mulheres. Responsabilizaram-se mais de 1400 quadros, 712 dos quais com menos de 35 anos...
Sem nunca parar com a restante – e intensa – intervenção do Partido...
O reforço da organização teve uma estreita e integrada consequência no reforço da intervenção política e de massas. Desenvolvemos importantes campanhas políticas de massas e iniciativas nacionais e internacionais relevantes.
Neste permanente fazer e refazer, valorizando os êxitos e avanços e não subestimando as condições em que trabalhamos e lutamos – num quadro de grande confronto político e ideológico em que o anticomunismo ganhou nova relevância e virulência no alforge da grande burguesia, numa situação social de destruição do aparelho produtivo e da repressão dos trabalhadores, de generalização da precariedade –, não se pode deixar de analisar a persistência de debilidades e dificuldades e atrasos que persistem.
Queres destacar algumas em particular?
Sem desvalorizar os avanços, há muito para fazer no plano do reforço da organização nas empresas e locais de trabalho. É uma questão estratégica. Destaco também a situação financeira do Partido. Sabemos que a independência política e ideológica do Partido passa muito por termos meios materiais próprios. Vivemos na base da contribuição e quotização dos militantes e dos eleitos (que constituem mais de 90 por cento das nossas receitas), ao contrário do PS, PSD, CDS-PP e BE, que vivem essencialmente do financiamento do Estado.
Apesar da evolução positiva das receitas e da contenção das despesas, não invertemos a situação. O XVIII Congresso deve assumir esta questão como uma questão política e ideológica de grande importância. Estes dois aspectos são parte integrante da concepção global e integrada da acção geral de fortalecimento do Partido que o XVIII Congresso se propõe lançar para um PCP cada vez mais preparado para responder à situação sejam quais forem as dificuldades que se apresentem.
No último Congresso, o Partido acabou por considerar algumas imposições da lei dos Partidos, reservando a sua posição relativamente a futuros congressos. Que poderemos esperar no Congresso relativamente a isto?
Os delegados ao Congresso decidirão, no quadro da aprovação do Regulamento. Temos a convicção de que decidirão com base em duas ideias: reafirmando a necessidade democrática da revogação desta Lei, tal como da Lei do Financiamento dos Partidos, nomeadamente nas suas normas de formatação e ingerência na vida interna dos partidos; e reafirmando o inalienável direito do Partido, de acordo com a livre vontade dos seus membros de decidir soberanamente das formas de organização e funcionamento e de adoptar em cada momento, e também no XVIII Congresso, as deliberações que melhor sirvam a luta do PCP.
Mais de mil reuniões já marcadas
Na sua última reunião, o Comité Central apelou a um «forte empenhamento das organizações e militantes na preparação, dinamização e envolvimento no debate preparatório do XVIII Congresso». Da planificação das iniciativas que já se conhece, qual será a resposta do colectivo partidário a este apelo?
Será uma ampla resposta em movimento! Teremos no Congresso cerca de 1500 delegados e estão já marcadas mais de mil reuniões e plenários em todas as organizações regionais, sectores e frentes de trabalho para discussão das Teses, eleição de delegados e debate sobre temas específicos. É um trabalho que se pretende que vá o mais longe possível e de forma ampla.
E é justo sublinhar a diferença com qualquer outro partido nacional, prova do funcionamento democrático do nosso grande colectivo partidário. Os nossos Congressos são sempre objecto e manipulação, leituras distorcidas de orientações, caluniosas acções visando perturbar e desviar-nos dos objectivos centrais O XVIII Congresso não será excepção. O grande colectivo partidário que somos marca o rumo e decide, centrado nos interesses dos trabalhadores, do povo e do País e na afirmação do nosso ideal de emancipação humana.
Quando se pensa nalguns que saíram com o argumento da falta de democracia interna, e de falta de espaço de debate, ao vê-los engajados noutros partidos a subscreverem de cruz a moção do chefe, percebe-se melhor algumas atitudes e comportamentos e a falsidade das razões invocadas..
Os militantes já foram ouvidos na preparação deste congresso, nomeadamente na primeira fase. Que balanço se pode fazer dessa participação? Quantos camaradas se conseguiu envolver? Que preocupações manifestaram? Que sugestões fizeram?
O Comité Central fez o balanço da primeira fase preparatória, que envolveu cerca de 8 mil militantes do Partido em mais de 800 reuniões e plenários de organismos e organizações. Sublinhe-se que o debate nesta fase preparatória foi realizado num quadro de intensa actividade política e de massas do Partido tendo em conta particularmente a luta contra as alterações gravosas ao Código do Trabalho avançadas pelo PS e na fase decisiva da construção da Festa do Avante! que, como sabes, envolve centenas de quadros do Partido.
Ainda com base na matriz aprovada em reunião do Comité Central, surgiram valiosas contribuições que, confirmando os objectivos apontados pelo CC, foram um valioso material para a reflexão e elaboração do projecto de Teses.
E os próprios membros do CC fizeram centenas de propostas ao anteprojecto elaborado pelos organismos executivos. A crise do capitalismo e o aprofundamento das causas das derrotas do socialismo, a situação nacional e a questão da política alternativa e da alternativa política, as organizações e o movimento de massas, o Partido, o reforço da sua organização, acção e intervenção mereceram uma particular atenção e discussão. Temos um grande Partido para fazer um grande Congresso, respondendo aos grandes problemas do presente, afirmando o ideal comunista com a confiança e determinação que nos caracterizam.
In jornal "Avante!" - Edição de 9 de Outubro de 2008