Dizem os jornalistas sul-africanos que a suite «renascentista» escolhida pelo presidente da FIFA, Joseph Blatter, no Hotek Michelangelo de Sandton, tinha uma passadeira vermelha diante da porta, uma habitação do tamanho de um campo de futebol, um «jacuzzi» decorado em estilo africano e um minibar individual com cubos de gelo da marca Evian. As instalações estão no último piso de uma das torres do hotel de cinco estrelas que domina o distrito económico mais branco e mais rico de Johannesburgo. Monarca indiscutido da República mundial do futebol, o coronel construiu a sua sucessão a Havelange no trono da FIFA com os votos da Confederação África e a promessa (primeiro na Alemanha em 2000 e depois em 2004 na presença de Mandela) do primeiro Mundial da história do continente negro. Isso explica por que é uma figura tão popular na região. A tal ponto que num almoço de gala realizado em Johannesburgo, o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, lhe atribuiu a Ordem dos Companheiros de Oliver Reginald Tambo, uma da mais prestigiosas do país atribuídas a personalidades estrangeiras. Tambo, juntamente com Mandela, foi um dos grandes lutadores contra o apartheid.
A comunicação social nos nossos dias reproduz como nunca a ideologia dominante. Seja na TV, na rádio ou nos jornais. A forma como a generalidade da comunicação social cobriu as recentes eleições na África do Sul são um bom espelho do que afirmamos.
Apetece perguntar: quais seriam as notícias publicadas pelos media ditos de referência se num qualquer país da Europa ou da América do Norte (em relação à América Central e à América do Sul o caso já muda de figura…), um partido político ganhasse as eleições com 65,9 por cento dos votos? E se houvesse uma participação eleitoral da ordem dos 77,3 por cento?
Imaginemos França, Inglaterra, Alemanha ou Canadá. Cantar-se-iam loas à democracia e aos candidatos eleitos. Falar-se-ia de legitimidade democrática e do bom funcionamento do sistema. Escrever-se-ia sobre uma liderança política legitimada de forma indiscutível. E não venham dizer que isto é especulação. Os exemplos nas últimas dezenas de anos abundam e aí estão para o provar.
Mas sobre a África do Sul não. O essencial, a vitória do ANC com dois terços dos votos expressos (11650748 em cerca de 23 milhões de votantes inscritos), 264 deputados em 400, triunfo em 8 das 9 províncias, 126 representantes em 184 no Conselho Nacional das Províncias (Câmara Baixa do Parlamento) é sistematicamente desvalorizado. O acessório, o não ter alcançado os dois terços dos deputados eleitos (faltaram escassos 3 lugares), é promovido à categoria de quase derrota do ANC.
Significativamente é em vão que procuramos uma notícia que nos informe que em quase todos os países Europeus e da América do Norte com 65,9 por cento dos votos qualquer partido teria muito mais que dois terços dos deputados. Portugal incluído. E isto graças a sistemas eleitorais muito «democráticos» onde, por exemplo, o partido trabalhista de Tony Blair com menos do que 50 por cento dos votos obteve sucessivas maiorias absolutas bastante folgadas.
É também em vão que procuramos uma análise objectiva do novo Presidente da África do Sul Jacob Zuma. E era fácil. Bastava transcrever o que sobre ele disse e escreveu Nelson Mandela ao manifestar-lhe o seu apoio. Tal como são quase nulas as notícias que referem que ficou claramente provado que os processos por corrupção (que abrangeram também dirigentes do Partido Comunista) foram desencadeados com fins políticos por ministros do governo de Thabo Mbeki (que saíram do ANC e fundaram um novo partido). Que elementos dos órgãos de segurança do Estado e do aparelho judicial tudo fizeram para manipular factos e provas. Que a comunicação social dominante na África do Sul tentou de múltiplas formas desacreditar Jacob Zuma e a nova liderança do ANC.
Mas encontramos coisas ridículas como o «facto» de Zuma ter sido condenado a dez anos de prisão, não pela sua actividade no ANC, mas «por tentar deixar o país clandestinamente, aos 21 anos». Curiosamente, ou talvez não, a mais objectiva análise vem de onde menos se poderia esperar. De um inimigo de ontem: Roelof “Pik” Botha.
O mesmo para as propostas políticas do ANC geralmente arrumadas na categoria de «populistas». E porquê? Porque põem uma muito grande ênfase na prioridade à resolução dos problemas das camadas trabalhadoras e da população mais desfavorecida do país. Prioridade no combate à pobreza e ao desemprego. Promessas que tudo indica serem para cumprir, esse é o problema para certos poderes, e não para ficar no papel.
Mas nada disto nos surpreende. Basta ler o que Eduardo Galeano (o tal do livro oferecido por Chavez a Obama) sobre o processo na Venezuela. Onde recorda que nunca em parte alguma do mundo um presidente eleito se submeteu a meio do mandato a uma consulta eleitoral revocatória. E Hugo Chavez fê-lo. Mas toda (quase) a comunicação social dominante escondeu este «simples» facto. Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação