Neste artigo sucinto iremos falar de quatro pontos considerados como fundamentais no rebentamento da crise de 2008, demonstrando que, passados 10 anos, o capitalismo caminha, inexoravelmente, para a próxima crise.
Alavancagem: todos apontam para a escassez dos capitais próprios dos bancos que ficaram insolventes com os primeiros prejuízos. É dito na generalidade da imprensa que os bancos melhoraram os seus rácios, mas isto não passa de uma falácia. O coelho que o capital financeiro sacou da cartola chama-se Basel III e permite, a partir da ponderação dos activos pelo risco, transformar um rácio de alavancagem de 3% num rácio de 7 ou 9%. Pura cosmética: olhando para os balanços, verificamos que os aumentos de capitais foram residuais e muito abaixo das perdas registadas durante a crise.
Produtos financeiros estruturados: os activos tóxicosforam determinantes na crise. Estes eram criados a partir de créditos duvidosos e vendidos no mercado sem qualquer regulamentação e em não raros casos com notação máxima das agências de rating. Passados dez anos o mercado global de derivados representa hoje sete vezes o PIB mundial, o que quer dizer que está totalmente desligado da economia real! Na União Europeia avança a todos o gás a titularização de créditos para limpar os balanços dos bancos e está na calha a criação de um fundo europeu de pensões destinado a ser o maior fundo de investimento do mundo e cuja gestão poderá ser entregue ao BlackRock.
Os bancos «to big to fail»: com a desregulamentação financeira das décadas de oitenta e noventa assistimos a uma vaga de fusões de instituições financeiras com a criação de entidades «demasiado grandes para falir». Esta situação gerou uma garantia pública implícita sobre eventuais perdas na medida em que se argumentou que a falência destas entidades poderia arrastar toda a economia. No início, registaram-se tentativas tímidas de atacar o problema procurando impor a separação entre bancos de retalho e de investimento, mas foi sol de pouca dura. Hoje, com a União Bancária a servir de catalisador, assistimos a uma nova vaga de fusões e aquisições, com o desaparecimento, desde o início da crise, de um terço dos bancos existentes.
Endividamento: todos falam do excesso do endividamento, público e privado como outro elemento nuclear para o rebentamento da crise. Importa dizer que este endividamento decorre de uma injusta distribuição da riqueza e do rendimento, empurrando muitas famílias para o crédito como recurso último para aquisição de bens essenciais. Passados dez anos, o endividamento público e privado é hoje superior aos níveis pré-crise, com taxas de crescimento duas vezes superior ao PIB.
As crises são parte integrante do sistema capitalista. Registar que, passados 10 anos sobre uma das maiores crises do sistema, tudo continua na mesma, reforçando-se a necessidade de superação do sistema capitalista com um modelo alternativo: o socialismo e o comunismo!
Como fica claro com contas simples, a União Bancária, com os seus três pilares, não resolve nenhum dos problemas que estão e estiveram na base da actual crise económica e financeira.
No fundamental apresenta dois objectivos centrais:
criar um paliativo que não tem outro propósito senão criar a ilusão de que alguma coisa está a ser feita para que tudo permaneça na mesma;
e «regular» os gigantescos processos de fusões e aquisições concentrando capital e poder de fogo sobre os processos de falências que inevitavelmente vão acontecer.
Ou seja, assegura um mecanismo que garante ao grande capital estabilidade, mantendo a canalização de fundos públicos ao serviço dos seus interesses e conveniências.
As instituições «demasiado grandes para falir» continuam intocáveis, e, consequentemente os estados, ou seja os trabalhadores e o povo, continuarão a ser chamados a cobrir os prejuízos do grande capital financeiro aquando do rebentamento da próxima bolha especulativa que acontecerá mais tarde ou mais cedo.
Neste início de 2010, apesar dos esforços propagandísticos dos mesmos do costume – economistas e políticos, que foram incapazes de prever a crise, as suas causas e os seus efeitos, a sua forma e o seu conteúdo – a crise financeira, económica e social não dá sinais de abrandar.
Continuamos a assistir por um lado, à desvalorização do capital sob todas as formas (comercial, financeiro). Por outro, à desvalorização da força de trabalho (como mercadoria). Para os marxistas é algo que não é nem novo, nem surpreendente. Apareceu pela primeira vez no começo do século XIX Repetiu-se sucessivas vezes. E voltará a suceder no futuro enquanto existir capitalismo.
A inevitabilidade das crises encontra-se no ADN do capitalismo. Uma economia capitalista pressupõe uma força motriz que conduza a reprodução capitalista até aos seus extremos, à acumulação de lucros imensos e a que a apropriação da mais-valia dos trabalhadores adopte uma forma de especulação monetária. Ou seja, que os imensos lucros, expressos em diferentes formas de capital, e naturalmente na sua circulação (fundos mútuos, títulos, acções em órgãos financeiros e empresas de fundos financeiros para gestão de capitais, Hedge Funds) reproduzidos como capital, como valor auto-crescente, devem ser reciclados no processo reprodutivo: sugando como vampiros novo trabalho não pago, para que se transforme em mercadoria, que depois se vende e se expressa como novo lucro.
É disto, expresso aqui duma forma muitissimo resumida e simplificada, que se trata. E não de quaisquer «maus comportamentos» (que também existiram e existem) deste ou daquele capitalista. Os sinais aí estão.
Confirma-se a tendência para as cessações de pagamentos por parte de alguns de Estados. Do Dubai à Grécia, passando pelos discursos cada vez mais inquietos das agências de classificação acerca das dívidas americana e britânica, ou pelo orçamento draconiano adoptado pela Irlanda e as recomendações da zona Euro para o controle dos défices públicos. A incapacidade crescente dos estados para enfrentar as suas dívidas é um tema sempre em destaque na comunicação social.
Refira-se que, ainda e sempre, as agências americanas de classificação não souberam (ou não puderam) antecipar este tipo de evolução. Lembremo-nos que elas não haviam previsto as implicações da crise das subprimes ou do afundamento do Lehman Brothers e da AIG. Nem igualmente a do Dubai…
Confirma-se, também, a tendência para aos governos europeus (e outros) manipularem cada vez mais as estatísticas económicas e sociais. Só que estas manipulações não fazem senão mergulhar os países ainda mais na crise. Os exemplos abundam: a «Verdade» na Grécia antes da crise actual era bem diferente da «Verdade» de hoje.
Em Portugal são conhecidos vários casos, dos quais um dos mais paradigmáticos é o da «limpeza de ficheiros» de desempregados por parte do IEFP: só no mês de Novembro de 2009 «desapareceram» dos ficheiros dos Centros de Emprego 49.501 desempregados.
Confirma-se, ainda, a impossibilidade da criação de uma política financeira comum, mesmo nas condições da recessão. Isto verificou-se em diferentes propostas, como as da Alemanha e da Grã-Bretanha sobre as medidas e pacotes de gestão da crise. Ou na formação das taxas de juro acima das que eram fixadas pelo Banco Central Europeu.
As diferentes visões sobre o Pacto de Estabilidade – se se privilegia a flexibilidade financeira ou a estabilidade monetária – expressam as diferentes necessidades dos Estados membros, e não uma falta de órgãos de governo da UE ou um excesso de poder do Banco Central Europeu.
Como nota final, uma chamada de atenção. Neste manancial de análises e informações com que quotidianamente somos bombardeados convém ter em conta um provérbio chinês: «Quando o sábio aponta a Lua, o idiota olha para o dedo».
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
In jornal "Público" - Edição de 10 de Janeiro de 2010