Desde Agosto de 2014 que o PCP apresentou, relativamente a este processo, inúmeras iniciativas para a salvaguarda do interesse público:
integração do BES, primeiro, e do Novo Banco, depois, no sector público bancário, o que exige uma clara atitude de rejeição e enfrentamento das exigências da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu;
pela intervenção do PCP foi constituída a Comissão de Inquérito Parlamentar ao processo de resolução do BES e à gestão do banco, que permitiu, apesar de tal não ser evidente no relatório, apurar a responsabilidade política do governo PSD/CDS, os impactos das políticas da troika e das imposições da União Europeia e as responsabilidades do Banco de Portugal. O relatório da Comissão, contudo, tentou branquear essas responsabilidades e concentrar o fogo sobre Ricardo Salgado, o administrador que enganara tudo e todos. Só o PCP votou contra esse relatório. Os restantes partidos votaram favoravelmente;
avançou ainda com iniciativas para proteger o interesse público, os postos de trabalho e a viabilização de empresas importantes que antes pertenciam ao Grupo Espírito Santo;
o Partido propôs ainda a nacionalização da Espírito Santo Saúde e a definição do perímetro do Grupo Espírito Santo e património dos seus accionistas para a sua imobilização e utilização para fazer face às despesas com a resolução do banco e assumpção dos compromissos com os lesados do BES, rejeitadas pelo PS, PSD e CDS;
a criação de uma equipa composta por vários especialistas em política fiscal e direito para apurar os destinos dos fluxos de crédito que lesaram o BES foi igualmente proposta pelo PCP e rejeitada pelos mesmos partidos;
o PCP apresentou também uma iniciativa visando o controlo público das instituições financeiras mais relevantes, que teve o mesmo destino das anteriores;
já na presente legislatura, propôs o cancelamento da venda do Novo Banco e a sua manutenção na esfera pública, mas PS, PSD e CDS inviabilizaram-na.
Olhando para as orientações da União Europeia, para a centralização da estrutura de supervisão, a constituição da União Bancária e a reconfiguração do sistema bancário ibérico e europeu, o movimento que rapidamente se identifica é o da aglomeração das várias instituições financeiras.
Tudo indica que o Novo Banco esteja a ser preparado, com dinheiros públicos, para a sua entrega a um mega-banco ibérico ou europeu.
O prazo para a utilização da garantia pública é de oito anos, mas nos dois primeiros o Novo Banco já consumiu cerca de metade do valor disponível. Isso significa que dentro de pouco tempo ficará limpo de créditos problemáticos e activos desvalorizados. Quando isso suceder, deixará de estar penalizado pelos «castigos» dos bancos em regime de ajuda pública e passará a ser um banco desejável, pela sua carteira de crédito, pela sua rede, pelos seus depósitos. O encaixe dessa venda, a existir, ficará nas mãos da Lone Star que, entretanto, já absorveu também uma boa parte das ajudas públicas.
A venda do Novo Banco foi uma opção criminosa.
Só a nacionalização asseguraria a minimização dos impactos negativos da queda do BES e, ao mesmo tempo, a integração de uma poderosa instituição financeira na esfera pública, assim permitindo que fosse colocada ao serviço do povo e do País, da economia nacional e da produção.
Desde que o Novo Banco foi criado que a sua gestão, sob direcção do Banco de Portugal, foi orientada para a preparação da sua alienação.
O Novo Banco não foi valorizado nem reequilibrado. Antes foi gerido no sentido da limpeza do seu balanço com recursos públicos e na minimização da sua estrutura. Essa orientação traduz uma estratégia clara para a sua posterior integração num outro mega-banco.
A gestão foi levada a cabo no sentido de permitir uma libertação gradual de recursos públicos, sem que em nenhum momento os responsáveis políticos tenham assumido a totalidade dos custos advenientes da resolução da instituição. O Novo Banco despediu trabalhadores, diminuiu o número de postos de trabalho, encerrou dependências e balcões e alienou activos em preço de saldo.
A venda do banco, por opção do actual Governo e alinhada com as imposições da Comissão Europeia, determinou a perda de um importante instrumento de política económica e financeira e a sua integral devolução à mesma gestão que o fez colapsar: a privada.
A avaliação dos activos do Novo Banco foi levada a cabo por Felipe Botín, filho de Ana Botin: à época, ele presidia à Lone Star ibérica e ela ao Santander.
A proposta apresentada pela Lone Star foi aceite pelo Governo e pelo Banco de Portugal, implicando uma garantia pública através de um mecanismo de capitalização contingente que podia atingir os 3,9 mil milhões de euros. Tal mecanismo já foi parcialmente consumido – em cerca de dois mil milhões –, o que significa que a conta actual se situa em cerca de sete mil milhões de euros (4,9 mil milhões iniciais mais dois nesta fase, podendo acrescer até 3,98 mil milhões) [valores em Março de 2019 ].
A venda do Novo Banco demonstra, por si só, que a privatização é uma má opção financeira. A operação em si mesma é desastrosa e implica perdas para o Estado que podem fazer ascender a factura do BES/Novo Banco a 10 mil milhões de euros, sem contar com potenciais perdas futuras por responsabilidades em processos judiciais, sendo que muitos estão ainda em aberto contra o Banco de Portugal e o Estado português.
A obsessão anti-público e favorável à gestão privada independentemente dos interesses do País teve, neste processo de venda imposto pela União Europeia e aceite pelo Governo PS, um custo absurdo para o Estado. O mesmo Estado que não se permite a contar o tempo de carreira dos seus trabalhadores, entrega a grupos privados para limpeza de dívidas também privadas, milhares de milhões de euros.
Desde que os maus activos do Novo Banco foram isolados, particularmente depois da venda, que o PCP alerta para a possibilidade de estar a processar-se uma limpeza de dívida em grande escala. Ou seja, empresas como a Lone Star podem estar a servir dois lados de um mundo de corporações privadas: uma pelo lado de um futuro comprador e outra pelo lado dos ex-proprietários ou devedores do BES.
Não existem hoje nenhumas garantias de que oNovo Banconão está a alienar dívidas dos antigos devedores doBES, pagas peloEstado, e ao mesmo tempo a limpar os activos problemáticos para entregar oNovo Bancolimpo desse lastro de imparidades a um futuro comprador.
Desde a privatização do BES, entre 1989 e 1992, levada a cabo por Mário Soares e Cavaco Silva, que uma das mais importantes instituições financeiras ficou nas mãos de um punhado de grandes accionistas e foi colocada exclusivamente ao serviço dos interesses de grandes grupos económicos.
Até à aplicação da medida de resolução, em Agosto de 2014, o banco foi gerido como uma fonte de riqueza para esses accionistas, concedendo créditos a empresas do próprio grupo e a um vasto arquipélago de empresas sediadas em off-shores e paraísos fiscais.
A poupança de milhões de portugueses foi utilizada como riqueza própria de uma família e outros grupos económicos, particularmente o GES, detido por essa mesma família e com laços de influência espalhados pela esfera política, afectando governantes e governos de PS, PSD e CDS.
O resultado de uma política de gestão ao serviço dos interesses de um monopólio, caracterizada por uma concessão de crédito sem outro objectivo senão o da consolidação do império Espírito Santo, foi um desequilíbrio insanável nas contas do banco.
Tal desequilíbrio estava identificado pelos auditores externos, pelo menos desde 2001. No entanto, foi sendo sucessivamente ocultado pela administração do banco, pelos seus órgãos de fiscalização interna e pelos auditores externos.
O Banco de Portugal (BdP) foi, ao longo da maior parte desse tempo, um parceiro da administração do BES. Mesmo em 2014, perante a iminente catástrofe, tanto o Governador do BdP como vários responsáveis políticos – Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque, Cavaco Silva, vieram a público defender a solidez do banco.
O passivo do GES era já, no entanto, demasiado grande e acabou por ser fatal para o próprio Banco Espírito Santo, numa história já conhecida. Ao invés de ter assegurado a nomeação de uma administração, afastando Ricardo Salgado, Ricciardi e outros, o Banco de Portugal e o Governo PSD/CDS protelaram uma intervenção até ao ponto de ruptura.
Atingido esse ponto, o Banco de Portugal aplica uma medida de resolução ao banco e toma a gestão do já Novo Banco nas suas mãos.
É importante relembrar que as contas do Banco de Portugal situavam os custos de uma nacionalização plena entre os cinco e os sete mil milhões, mas que a então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, afastou desde o início tal opção, forçando uma opção muito mais cara e alinhada com os interesses da grande banca europeia e ibérica. A aplicação da resolução e a posterior venda do banco a um qualquer outro gigante ibérico.
O actual Governo seguiu religiosamente a intenção do anterior. Dispondo de uma maioria parlamentar que permitiria o cancelamento da venda e a integração do Novo Banco na esfera pública, como propôs o PCP, o Governo optou por concretizar a venda da instituição por zero euros a um fundo obscuro, a Lone Star. Além disso, só foi possível concretizar a venda assegurando uma garantia pública até 3,9 mil milhões de euros para fazer face à desvalorização dos activos adquiridos.
O afundamento do Banco Espírito Santo, a criação do Novo Banco, a medida de resolução e a venda ao fundo especulativo Lone Star custaram ao País, até ao momento, cerca de oito mil milhões de euros, mas a factura pode crescer.
O PCP defende desde o início do processo que o banco regresse ao controlo público, mas PS, PSD e CDS têm-no impedido.
Os actuais problemas do Novo Banco são inseparáveis das opções políticas e das responsabilidades quer do governo PSD/CDS, quer da União Europeia (EU) que, ao contrário do que defendeu o PCP, decidiram aplicar uma medida de resolução ao BES sem congelar e tomar controlo público dos bens do grupo Espírito Santo.
Ao mesmo tempo que mentiam aos portugueses sobre uma suposta inexistência de custos da resolução, PSD/CDS determinavam a nacionalização do prejuízo para proceder à limpeza do balanço do Banco e à sua posterior entrega a um qualquer grupo económico, como veio a acontecer em Outubro de 2017, quando o PS decidiu pela venda ao fundo Lone Star.
A submissão às instituições da União Europeia tem como consequência uma concentração cada vez mais acentuada da propriedade bancária e da perda de soberania nacional nos planos económico e financeiro, impedindo opções que permitam a integração do Novo Banco no sector público bancário.
Tal opção, a única que defende o interesse nacional e a estabilidade do sistema financeiro, implica um confronto com essas imposições que o PCP nunca escamoteou.
Pelo contrário, sempre o tem afirmado como imperativo patriótico.