Dia não De paisagens mentirosas de luar e alvoradas de perfumes e de rosas de vertigens disfarçadas. Que o poema se desnude de tais roupas emprestadas seja seco, seja rude como pedras calcinadas. Que não fale em coração nem de coisas delicadas que diga não quando não que não finja mascaradas. De vergonha se recolha se as faces tiver molhadas para seus gritos escolha as orelhas mais tapadas. E quando falar de mim em palavras amargadas que o poema seja assim portas e ruas fechadas. Ah! que saudades do sim nestas quadras desoladas. José Saramago / Luís Cília
Para ver e ouvir « Dia não » de José Saramago :
Para Ler :
adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge
publicado às 12:03
Fala do velho do restelo ao astronauta
(José Saramago )
Aqui, na Terra, a fome continua, A miséria, o luto, e outra vez a fome. Acendemos cigarros em fogos de napalme E dizemos amor sem saber o que seja. Mas fizemos de ti a prova da riqueza, E também da pobreza, e da fome outra vez. E pusemos em ti sei lá bem que desejo De mais alto que nós, e melhor e mais puro. No jornal, de olhos tensos, soletramos As vertigens do espaço e maravilhas: Oceanos salgados que circundam Ilhas mortas de sede, onde não chove. Mas o mundo, astronauta, é boa mesa Onde come, brincando, só a fome, Só a fome, astronauta, só a fome, E são brinquedos as bombas de napalme
(In OS POEMAS POSSÍVEIS , Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição )
Para ver e ouvir Manuel Freire a cantar «Fala do velho do restelo ao astronauta » de José Saramago clicar AQUI
adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge
publicado às 12:07
Ouvindo Beethoven
(José Saramago )
Venham leis e homens de balanças, mandamentos d'aquém e d'além mundo. Venham ordens, decretos e vinganças, desça em nós o juízo até ao fundo. Nos cruzamentos todos da cidade a luz vermelha brilhe inquisidora, risquem no chão os dentes da vaidade e mandem que os lavemos a vassoura. A quantas mãos existam peçam dedos para sujar nas fichas dos arquivos. Não respeitem mistérios nem segredos que é natural os homens serem esquivos. Ponham livros de ponto em toda a parte, relógios a marcar a hora exacta. Não aceitem nem queiram outra arte que a prosa de registo, o verso acta. Mas quando nos julgarem bem seguros, cercados de bastões e fortalezas, hão-de ruir em estrondo os altos muros e chegará o dia das surpresas.
In "Os Poemas Possíveis ", 1966
Para ver e ouvir Manuel Freire a cantar «Ouvindo Beethoven » de José Saramago clicar AQUI
adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge
publicado às 12:05