2.2.52. Na educação, nos últimos anos foram, na continuidade da política de direita, dados novos e qualitativos passos, tendo como linha condutora a crescente desresponsabilização do Estado, o ataque à Escola Pública, gratuita e de qualidade para todos, a promoção do ensino privado e a subalternização de critérios pedagógicos em prol de preceitos economicistas e elitistas.
2.2.52.1. As alterações que têm vindo a ser implementadas no sistema educativo são, no essencial, desrespeitadoras da Lei de Bases e da própria Constituição da República, consubstanciam um retrocesso muito significativo em matéria de ensino, o que, por si só, constituirá um forte condicionamento ao nosso desenvolvimento futuro.
2.2.52.2. A política de desresponsabilização do Estado nesta área social fundamental prosseguida pelos governos do PSD/CDS-PP e do PS, visando a sua progressiva privatização, tem como eixo central a desvalorização da Escola Pública enquanto instrumento para a concretização do preceito constitucional que obriga o Estado a garantir o direito ao ensino de todos os portugueses, com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolares.
2.2.52.3. O objectivo é óbvio: colocar a Escola Pública ao serviço da perpetuação das assimetrias e injustiças, tornando-a reprodutora das relações de classe e da ideologia dominante, reservando o acesso ao conhecimento para as elites e atribuindo às camadas trabalhadoras apenas a oportunidade de adquirir competências profissionais ao serviço das necessidades flutuantes do mercado capitalista., de que são exemplo o novo Estatuto do Aluno e o alargamento dos exames nacionais, medidas que visam, no essencial, colocar mais obstáculos ao prosseguimento dos estudos. O fosso entre os estudantes que são, à partida, encaminhados para o prosseguimento dos estudos para entrada imediata no mercado de trabalho é cada vez maior para, e para o qual contribui de forma significativa a actual concepção dada pelo Governo ao ensino profissionalizante.
2.2.52.4. A escola tem vindo a constituir-se num aparelho ideológico central. As alterações introduzidas aos conteúdos curriculares, os conteúdos de alguns manuais escolares e até algumas provas de exame, confirmam a manipulação cada vez mais abusiva do ensino pelo aparelho político ao serviço do capital.
2.2.53. Num contexto em que a educação assumiu também um novíssimo valor como oportunidade de negócio para o capital, o Governo PS encerrou mais de 2500 escolas do 1.º ciclo do ensino básico, desenvolveu um processo de privatização indirecta da educação, como acontece com as chamadas Actividades de Enriquecimento Curricular e, também, através de licenciamentos de colégios privados apoiados com dinheiros públicos, desvirtuando o princípio do carácter supletivo do ensino privado em relação ao público, com claros prejuízos para este. ~
2.2.53.1. É neste quadro de desvalorização da Escola Pública que se integram a imposição de um novo modelo de gestão das escolas do ensino pré-escolar, básico e secundário, a delegação de novas competências para as autarquias locais na área de todo o ensino básico e as medidas que estão a ser implementadas no ensino especial, bem como o ataque às escolas especializadas no ensino das artes.
2.2.53.2. Contrariando o preceito constitucional que incumbe o Estado a garantir a gratuitidade do ensino obrigatório e a progressiva gratuitidades dos restantes níveis, os custos com a educação e ensino são cada vez mais elevados, atingindo valores insuportáveis para muitas famílias, com consequências no abandono precoce e na qualidade das aprendizagens.
2.2.54. O afastamento desumano de dezenas de milhar de alunos com necessidades educativas especiais das medidas de educação especial, processo agora agravado por uma avaliação destas necessidades feita com base numa Classificação Internacional de Funcionalidade e Incapacidade (CIF) da área da saúde, é uma faceta brutal da política de direita na educação.
2.2.55. A intenção governamental de delegar competências às autarquias locais na área da educação pode favorecer objectivamente, com a asfixia financeira das autarquias, a privatização do Ensino Básico e impedir a concretização do carácter universal do sistema de ensino a nível nacional. Depois de – também pela mão do PS – ter sido dificultada e limitada, o novo decreto de gestão vem amputar o que resta de participação democrática na vida das escolas. Os professores, funcionários e estudantes são arredados da gestão escolar e a direcção da Escola é centralizada num órgão unipessoal, funcionando como um veio de transmissão de orientações superiores e braço administrativo do Governo. Os critérios pedagógicos são subjugados por critérios empresariais de gestão, burocráticos e autoritários.
2.2.56. No Ensino Superior, o Governo PS, acelerando o passo do anterior, não hesita em desmantelar este importante património do povo português, para o adequar ao chamado «Espaço Europeu de Ensino Superior», impondo reformas consubstanciadas no modelo de organização do ensino segundo o Processo de Bolonha, no Regime Jurídico da Avaliação da Qualidade no Ensino Superior, no Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (com o evidente propósito de promover a transformação das instituições públicas do ensino superior em Fundações de direito privado, e a redução drástica da gestão democrática e da participação dos estudantes), no modelo de financiamento (com destaque para o aumento brutal do valor das propinas), mesmo que em resultado destas opções o Ensino Superior em Portugal fique colocado numa posição ainda mais periférica relativamente às principais potências europeias e sem capacidade de decisão soberana.
2.2.56.1. As medidas que têm vindo a ser implementadas no Ensino Superior contribuem para a sua degradação material e, consequentemente, para as insuficiências pedagógicas e humanas que reproduzem e acentuam as desigualdades sociais, ao invés de garantir a igualdade de acesso, a frequência e o sucesso; limitam a liberdade de ensino e aprendizagem e o acesso à criação e fruição culturais; restringem as áreas de investigação científica e de desenvolvimento experimental e de formação às áreas de aplicação directa, ao serviço dos interesses imediatos e exclusivos do capital, com o abandono de áreas sem valor no mercado, a cultura multidisciplinar, as humanidades, as artes e as ciências básicas, todas necessárias para o desenvolvimento do País.
2.2.56.2. A estratificação em ciclos, resultado da assimilação no Processo de Bolonha, também reflecte a intenção de negar a formação integral que prepare o cidadão para assumir uma posição consciente no controlo da sociedade para, pelo contrário, criar um exército de mão-de-obra barata mas disponível para entrar no sistema produtivo sem a cultura formativa crítica que as escolas superiores tradicionalmente tendiam a conferir.
2.2.56.3. O modelo de financiamento, assente na desresponsabilização estrutural do Estado nesta esfera estratégica e exercido com alienante arbitrariedade, mantém a inaceitável aplicação de propinas, que atingem dezenas de milhar de euros no segundo e terceiro ciclos, enquanto desfalca e privatiza a Acção Social Escolar, o que, objectivamente, mercantiliza o conhecimento e promove a elitização no acesso a níveis superiores de conhecimento.
2.2.57. No que respeita Ciência, Tecnologia e Inovação, a situação está marcada pela política de direita de sucessivos governos, traduzida: no subfinanciamento da larga maioria das unidades e centros de I&D ligados ao sector do ensino superior e dos laboratórios do Estado, reduzindo os efectivos de pessoal especializado, explorando a precariedade do trabalho qualificado de largo número de bolseiros e ameaçando o próprio pagamento de salários; pela centralização da gestão do financiamento da I&D na Fundação para a Ciência e a Tecnologia, sem garantia de montantes e prazos de pagamento; pela ausência de objectivos sectoriais estratégicos assumidos por órgãos próprios de política científica, e de qualquer controlo efectivo e participada por parte da comunidade cientifica; pelo desvio de dinheiros públicos do magro bolo da Ciência para universidades estrangeiras com objectivos políticos pouco claros e um binómio custo-beneficio indefinido.
2.2.57.1. A reforma desastrosa dos laboratórios do Estado, incluindo fusões arbitrárias, desmantelamento e extinção de serviços e competências que importaria consolidar e reforçar, a crescente utilização de mão-de-obra cientifica e técnica com vínculo laboral precário e sem condições de trabalho adequadas, a par da constante degradação do rácio pessoal técnico/pessoal investigador e da muita fraca contribuição do sector empresarial para as actividades de I&D e Inovação, confirmam a não opção no investimento produtivo que o País precisa.
2.2.58. A evolução da situação nas áreas e actividades culturais no período decorrido desde o XVII Congresso apresenta traços que significam a clarificação – negativa – de tendências contraditórias, que vinham coexistindo desde as últimas décadas do século passado.
2.2.58.1. A política cultural prosseguida pelo actual Governo PS, marcada pelo abandono de responsabilidade pública nas políticas culturais, acentuou a identidade das orientações e opções com as que caracterizaram a acção dos governos do PSD e CDS-PP: desresponsabilização do Estado; estreitamento das zonas de responsabilidade directa da Administração Central; asfixia orçamental; privatização e entrega ao mercado de actividades, equipamentos e património; elitização; inserção subalterna nos circuitos mercantis da cultura internacional hegemonizada pelos grandes interesses financeiros transnacionais; instrumentalização de iniciativas de «prestígio».
2.2.58.2. Uma clarificação que tem correspondência nas áreas da cultura artística e científica que subordinam todo o viver social aos critérios de lucro do grande capital explorador e que se traduz em novos passos no sentido da fragilização de um tecido cultural vulnerável e precário, novas limitações no acesso à criação e à fruição culturais por parte das camadas populares, novas dificuldades para os criadores, em particular os mais jovens.
2.2.59. Na política para a área do desporto a chamada reforma do desporto desarticulou serviços, governamentalizou o Instituto do Desporto de Portugal e o Conselho Nacional do Desporto e aprovou uma Lei de Bases que, a par da preparação de um novo Regime Jurídico das Federações Desportivas, acentua a intromissão do Estado no associativismo desportivo.
2.2.59.1. As manobras mediáticas do actual Governo, de que são exemplos o chamado Congresso do Desporto e a colagem à participação de Portugal no Euro 2008, não escondem a ausência de uma política nacional para o desporto, o corte de investimentos e verbas e a inexistência de um programa e um projecto consistentes que assegurem o fomento da prática desportiva e a sua democratização, e o apoio ao desporto federado e de alta competição.
2.2.59.2. A acção de sucessivos governos para transformar o País numa entidade organizadora de eventos desportivos de nível internacional, com elevados custos financeiros, de retorno duvidoso para o País e sem qualquer reflexo no desenvolvimento da prática desportiva, e o descarado aproveitamento político dos resultados desportivos obtidos a nível internacional, visa iludir a situação de atraso a que a política de direita conduziu o desporto nacional.
2.2.40. Com a criação de um sistema de três patamares – sistema de protecção de cidadania, sistema previdencial e sistema complementar –, o Governo PS procedeu a profundas alterações ao sistema de Segurança Social, subvertendo o seu carácter público, universal e solidário, com repercussões especialmente gravosas no ataque ao direito à reforma e a uma pensão digna.
2.2.40.1. O processo de convergência dos regimes de protecção social da Administração Pública com o Sistema Público de Segurança Social que, a partir de 2005, o actual Governo impôs, é responsável por consideráveis retrocessos na protecção social dos trabalhadores, tanto do sector público como do privado.
2.2.40.2. O objectivo de redução das despesas com pensões deu corpo a um conjunto de medidas que reduz o valor das reformas dos trabalhadores em resultado da aplicação do chamado «factor de sustentabilidade» que, dando início a um processo de desvalorização das pensões, representa em 2008 uma redução do valor da pensão de 0,56%, e que atingirá 20% em 2050. Esta redução é ainda mais penalizadora para os baixos salários, em resultado da antecipação da aplicação da nova fórmula de cálculo com base na média ponderada da carreira contributiva. As novas regras para a indexação e actualização das pensões, tendo por base um Indexante de Apoios Sociais (IAS), condicionam injustamente os seus aumentos anuais à taxa da inflação e ao crescimento do PIB. A criação de um regime público de capitalização de contas individuais, a ser financiado por contribuições «voluntárias» dos trabalhadores, representa uma forma artificial de «atenuação» da quebra dos valores das suas pensões e visa o fomento dos fundos privados de pensões.
2.2.40.3. A redução dos direitos dos trabalhadores está patente, ainda, nas alterações ao subsídio de desemprego, responsáveis pelo aumento do número de desempregados excluídos desta prestação social; na destruição da universalidade do direito ao abono de família e na desvalorização do seu valor para milhares de famílias com um ou dois filhos; no estabelecimento da diferenciação do valor do subsídio de maternidade e paternidade para licenças de 120 e 150 dias (de 100% para 80%).
2.2.40.4. A criação de novas prestações sociais, de combate à pobreza entre os idosos e de apoio à maternidade e paternidade, pelo Governo PS, salda-se pelo reduzido alcance social em resultado da imposição de um conjunto de requisitos que são um factor de exclusão dos segmentos da população que delas necessitam.
2.2.40.5. Utilizando o aparelho do Estado para disseminar uma concepção caritativa e assistencialista, o Governo PS avança no processo de privatização da Acção Social e da rede de equipamentos e serviços sociais de apoio à criança, à família, à terceira idade e aos cidadãos com deficiência. Esta opção abre novos caminhos de lucro para o sector privado e transfere para a «organização» dos cidadãos a realização de actividades de prestação de serviços e de solidariedade social. Cresce, assim, o número de associações que inserem a sua acção neste âmbito, a maioria das quais com o estatuto de IPSS.
2.2.41. Intensificaram-se os níveis de exploração e violação sistemáticas dos direitos das mulheres trabalhadoras, designadamente em função da gravidez, da maternidade e do apoio à família, o que contribui de forma decisiva para a perpetuação do «tradicional» ciclo de discriminação que pesa sobre as trabalhadoras, e que se repercute negativamente na vida familiar e na participação na vida social e política.
2.2.41.1. Aumentou a precariedade e o desemprego entre as trabalhadoras de diversas idades e qualificações, ao mesmo tempo que se acentuou a sua desigual distribuição pelas profissões e níveis hierárquicos, acompanhada pela degradação do seu estatuto remuneratório e por profundas desigualdades salariais. O processo de privatização de importantes funções sociais, da responsabilidade do Governo PS, acentuou a desigualdade e a exclusão de acesso a equipamentos sociais de apoio à infância e aos idosos por parte das famílias trabalhadoras de mais baixos rendimentos. Mantém-se a ausência de políticas adequadas de prevenção e apoio às vítimas de violência doméstica.
2.2.42. A política social do Governo PS para a terceira idade caracteriza-se pela imposição de um conjunto de medidas de redução do valor das reformas e pensões, penalizando os actuais e futuros reformados, agravando e aprofundando a injustiça social na política de distribuição dos rendimentos, e trazendo como consequência imediata a acentuação e a extensão da pobreza e a perda do poder de compra, não só dos pensionistas com valor mais baixos, como da generalidade dos reformados do sector privado e dos aposentados da Administração Pública.
2.2.42.1. A privatização dos equipamentos e serviços sociais em detrimento da existência de uma Rede Pública, com o aumento crescente de dificuldades de acesso às valências de apoio domiciliário e de lares por parte dos idosos dependentes e com baixos rendimentos, e a falência de medidas como a criação do Complemento Solidário do Idoso, a par de novas taxas moderadoras e da redução na comparticipação de medicamentos, põem em causa o direito dos idosos à protecção social. O encerramento de serviços públicos, designadamente os de saúde, a desertificação e o envelhecimento de importantes regiões do País, acrescentam novos factores de isolamento, de vulnerabilidade social e de pobreza entre os reformados e idosos.
2.2.43. A forte incidência das desigualdades sociais e da pobreza entre crianças e jovens até aos 18 anos está patente nas situações que, ao longo dos anos, têm vindo a ser sinalizadas pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco. Uma realidade inseparável da situação dos agregados familiares correspondentes, 38,2% dos quais com elevada precariedade económica (subsídio de desemprego, rendimento social de inserção, pensões de sobrevivência social ou de invalidez).
2.2.44. A situação das pessoas com deficiência, especialmente vulneráveis às situações de marginalização social, de desemprego e de aumento de preços dos bens e serviços essenciais e das despesas com a saúde, viu-se agravada com a redução de direitos dos trabalhadores deficientes, como é patente na retirada de benefícios fiscais, na redução do valor das suas reformas, nas propostas do Código do Trabalho e nos retrocessos em matéria de reparação por acidentes de trabalho – designadamente com uma nova Tabela de Incapacidades que fragiliza a protecção social dos acidentados de trabalho e favorece as seguradoras.
2.2.45. O agravamento da situação económica e social teve também repercussões graves nos trabalhadores imigrantes, a maioria em situação de maior fragilidade no mercado de trabalho, ocupando muitos deles trabalhos pouco qualificados, de baixos salários, em condições de precariedade e de ausência de direitos, com excessivas cargas horárias.
2.2.45.1. O recurso à mão-de-obra imigrante, barata, mais fragilizada e muitas vezes em situação irregular é, na lógica da exploração capitalista e da obtenção de acrescidas mais-valias, utilizado para pressionar a desvalorização dos salários, aumentar a precariedade e limitar o exercício dos direitos. Vítimas, eles próprios, a exemplo dos restantes trabalhadores, da degradação da situação económica e social e da exploração, os imigrantes são responsáveis por cerca de 5% do PIB nacional, sendo o seu contributo para as contas públicas, através de impostos e taxa, maior que os custos que lhe estão associados fazendo-os por isso contribuintes líquidos para a nossa sociedade.
2.2.45.2. A perspectiva de uma nova vaga de imigração, a concretizarem-se as obras públicas anunciadas para os próximos anos, torna mais urgente o combate às formas ilegais de contratação de trabalhadores imigrantes e às redes de imigração ilegal, o cumprimento da legislação do trabalho por parte do patronato e a extensão progressiva dos direitos políticos dos imigrantes.
2.2.46. O crescimento no número de portugueses que saíram de Portugal entre 2003 e 2006, 18,7% segundo o relatório da OCDE de Junho de 2007, é expressão do agravamento da situação económica e social do País e um desmentido sobre o alegado fim dos fluxos de emigração em consequência da adesão de Portugal à então CEE. Com a acrescida agravante de o aumento da emigração dos últimos anos se realizar em condições de grande precariedade e enorme exploração, onde predomina o trabalho temporário e sazonal.
2.2.46.1. A política de direita desenvolvida ao longo dos anos, e acentuada pelo Governo PS, traduzida no encerramento de consulados e sua entrega à gestão de privados, nas alterações ao regime de contratação de professores na rede do ensino do português no estrangeiro com reflexos negativos na qualidade do ensino, na governamentalização do Conselho das Comunidades, na manutenção da discriminação que atinge os ex-militares emigrantes impedindo-os de ver o tempo de serviço militar contado para efeitos da reforma, na anulação do porte-pago aos órgãos de informação regionais e da emigração, na eliminação das contas «poupança emigrante», vem fragilizando a ligação às suas terras de origem.
2.2.47. A política de habitação do actual Governo, ao serviço dos interesses do grande capital e dominada por uma orientação de favorecimento da especulação imobiliária, confirma e acentua a progressiva desresponsabilização do Estado, que vem pondo em causa o direito à habitação, constitucionalmente consagrado. O capital financeiro a ela associado, esquecendo os problemas de habitação das camadas e classes mais desfavorecidas, onerando desmesuradamente os orçamentos das famílias de médios recursos, forçadas a elevadas taxas de endividamento, põe em risco a indústria da construção civil. Esta política, agora agravada com a publicação pelo actual Governo do Plano Estratégico de Habitação (visando remeter o Estado para um papel subsidiário da dinâmica do mercado de habitação e de mero regulador), é responsável pelo aumento da especulação imobiliária sobre as periferias e o abandono dos núcleos históricos das cidades, pela existência de um excedente de 650 mil fogos, ao mesmo tempo que persistem problemas de sobrealojamento e inabitabilidade, pela imposição do modelo único de habitação própria, com o estrangulamento do mercado de arrendamento.
2.2.48. Na saúde, os últimos anos ficam marcados por uma ofensiva sem precedentes contra o Serviço Nacional de Saúde (SNS), assente em quatro eixos principais: a desresponsabilização do Estado face à sua obrigação constitucional de garantir o acesso aos cuidados de saúde de todos os portugueses em condições de igualdade; o encerramento sistemático de múltiplos serviços de saúde; a transferência para as famílias de uma parte crescente dos custos com a saúde; uma política laboral contra os direitos dos profissionais.
2.2.48.1. A estratégia de degradação da oferta pública de cuidados de saúde e encerramento de serviços (SAP; urgências hospitalares e maternidades), fruto da sintonia entre os governos do PSD/CDS-PP e do PS com os grandes grupos financeiros, que vêem na saúde uma importante área de negócio, tem-se traduzido na redução da capacidade de resposta e no desacreditar do Serviço Nacional de Saúde (SNS), ao mesmo tempo que abre portas à sua privatização.
2.2.49. A política de desresponsabilização do Estado, assente na lógica do «Estado mínimo» e no princípio do utilizador-pagador para garantir a progressiva separação dos papéis de financiador, regulador e prestador, assumindo o Estado os dois primeiros, tem como objectivo delegar em entidades não públicas a prestação de cuidados mediante mecanismos de contratualização ou pela via da privatização de serviços.
2.2.49.1. É neste contexto que se sucedem os licenciamentos para novas unidades privadas de saúde, nomeadamente hospitais, com o Estado a assumir-se como principal cliente, como é o caso dos contratos da ADSE com os novos Hospitais privados e dos projectos de revisão da legislação relativa às Convenções.
2.2.49.2. Uma política desastrosa de formação de profissionais de saúde, particularmente médicos e enfermeiros, e uma política laboral que, no sector público, lhes reduz vencimentos, lhes restringe direitos, lhes aumenta a precariedade e destrói a perspectiva de uma carreira, empurra os médicos para as unidades privadas e os enfermeiros para o desemprego, pondo em causa a própria existência do SNS a curto prazo.
2.2.49.3. Os Cuidados Primários, sector que o Governo mais utilizou na propaganda para esconder as graves insuficiências aí existentes, acabaram por esbarrar na contradição insanável entre os que defendem o seu desenvolvimento no serviço público e aqueles que, entendendo este sector como fundamental para «alimentar» os hospitais privados, apostam na sua privatização.
2.2.50. No contexto político em que a chamada reforma dos Cuidados Primários foi anunciada – marcado pelo ataque mais violento de sempre contra o SNS, sem recursos financeiros, sem profissionais, em particular médicos de família, sem instalações e equipamentos adequados –, a criação de Unidades de Saúde Familiares (USF) mais não é de que um canto de sereia para abrir caminho à privatização dos Cuidados de Saúde Primários. O número, claramente reduzido face às perspectivas iniciais, de USF em funcionamento e a desorganização que em alguns casos tem marcado esse início, são testemunhos do carácter meramente propagandístico da «Reforma».
2.2.50.1. O quadro está claro: de um lado estão os que defendem uma reforma democrática do SNS como garante do acesso em equidade aos cuidados de saúde por parte de todos os portugueses; do outro, os que o querem pura e simplesmente destruir para que desta forma o acesso e a qualidade aos cuidados de saúde fiquem dependentes das regras do mercado.
2.2.51. Apesar de, nos últimos anos, a visibilidade social da toxicodependência ter diminuído – devido às medidas de combate ao consumo da heroína – assiste-se hoje a uma diversificação do tráfico, do tipo de drogas consumidas e dos consumidores.
2.2.51.1. O fenómeno da toxicodependência continua a ser uma realidade profundamente influenciada pela degradação da situação económica e social e que deixa atrás de si um rasto de destruição e desintegração humana e social que, afectando sobretudo as camadas mais jovens da população, tem registado, por via da perpetuação dos consumos, um número crescente de consumidores mais velhos.
2.2.51.2. Apesar do papel assumido pelo SNS através do Instituto da Droga e da Toxicodependência na prevenção, tratamento e combate à toxicodependência, constituem sinais inquietantes: o crescente peso dos interesses privados nesta área; a concentração e redução de serviços públicos; a instabilidade profissional em que se encontram os técnicos e funcionários do IDT; a não aplicação da Lei da Droga por falta de capacidade de resposta e de articulação entre as estruturas do estado; o abandono e falência da componente de reinserção social e do emprego; os cortes orçamentais para esta área.
2.2.51.3. A absorção por parte do IDT da estrutura pública de combate e tratamento do alcoolismo – também este um gravíssimo problema social –, constitui uma medida que, tendo sido sobretudo determinada por critérios economicistas, necessita de ser acompanhada dos meios técnicos e profissionais necessários a um avanço do País nesta área.
2.2.25. Enquanto aumenta o peso da tributação dos trabalhadores nas receitas fiscais, os trabalhadores vêem reduzidos os benefícios fiscais e os escalões do IRS actualizados abaixo do aumento da inflação, o Governo permite a manutenção de taxas efectivas de tributação do sector financeiro dez e mais pontos percentuais abaixo da taxa nominal, e concede 2 mil milhões de euros de benefícios fiscais ao Offshore da Madeira, apoiando e financiando a banca e o sector financeiro e especulativo. Em simultâneo, o PS no Governo, bem como PSD e CDS-PP, recusam a implantação de medidas de efectivo combate à fuga e evasão fiscais e ao branqueamento e fuga de capitais.
2.2.26. A política de investimento está há muitos anos aquém das necessidades quantitativas e qualitativas da nossa economia. Desde 1997 o investimento público vem perdendo peso no investimento total, atingindo o mínimo histórico em 30 anos de 2,3 % do PIB, em 2007, deixando de assumir um papel dinamizador da economia, especialmente necessário em momentos de crise económica, como os vividos nos últimos anos. Mantém-se uma manifesta insuficiência do investimento privado. Os fundos comunitários, correspondentes aos três primeiros quadros comunitários, atingiram o valor de cerca de 56 mil milhões de euros, mas com uma muito reduzida eficácia em termos estruturantes, inclusive na reprodução do mapa assimétrico do investimento público. O investimento directo estrangeiro, IDE, assumiu um papel quantitativo significativo, Em sentido contrário a este e ao das reais necessidades nacionais, aparece, a partir de meados da década de 90, uma nova orientação estratégica do grande capital nacional, que é a do investimento directo português no estrangeiro, IDPE, o qual atingiu a soma de 90 mil milhões de euros a preços correntes, entre 1997 e 2005.
2.2.27. As políticas de sucessivos governos transformaram o capital estrangeiro no elemento central do desenvolvimento do País, pelo que tem vindo a ocupar de forma crescente importantes e estratégicos espaços na economia portuguesa, quer através do processo de privatizações, de associação do capital nacional ao grande capital internacional, ou da livre circulação de capitais decorrente do processo comunitário da UEM que facilitou extremamente as aquisições de activos em Portugal. O investimento estrangeiro, que pode constituir um elemento de desenvolvimento em função da sua dimensão, condições e actividades, representa na sua maioria uma ameaça de deslocalização, com toda a chantagem e ofensiva que lhe estão associadas, relativas aos salários, horários de trabalho e direitos dos trabalhadores, uma opção por actividades de baixa incorporação tecnológica e baixo valor acrescentado como também é responsável pela crescente saída de rendimentos para o exterior, pela transferência de lucros, não cuidando de reinvestimentos, e baixando de forma relevante o rendimento nacional disponível. Absorveu ainda parte muito significativa dos fundos comunitários e dos apoios públicos.
2.2.28. O modelo de desenvolvimento determinado por políticas e opções de direita contribuiu para comprometer a coesão territorial e social. As políticas seguidas têm tido como consequência no ordenamento do território a consolidação de um modelo marcado por acentuadas assimetrias e desequilíbrios regionais, de uma integração territorial subalterna no quadro ibérico e pelo favorecimento da grande especulação imobiliária.
2.2.29. A política de ambiente, gestão de recursos naturais e ordenamento do território promovida pelos sucessivos governos, e agora agravada pelo Governo PS, é a da entrega e submissão aos grandes interesses privados, que orbitam em torno da especulação imobiliária, da exploração turística e da distribuição de água e recursos energéticos.
2.2.29.1. A mercantilização da água, configurada na lei aprovada em 2005 por PS, PSD e CDS/PP, avança aceleradamente. A estratégia com vista à entrega da captação e distribuição de águas e saneamento de águas residuais a empresas privadas conhece, com o actual Governo, novos desenvolvimentos com a implementação do Plano Estratégico de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais (PEAASAR II), a pressão para a alienação por parte dos municípios da distribuição «em Baixa» e a anunciada privatização da empresa Águas de Portugal, já detentora de grande parte dos sistemas de distribuição. A privatização destes sistemas não só transforma o direito universal à água em mercadoria, como retira às populações e ao poder local qualquer possibilidade de intervenção democrática na sua gestão.
2.2.29.2. A consagração legal de processos que possibilitam contornar de forma expedita os instrumentos de ordenamento do território em função da dimensão do investimento, através dos chamados Projectos de Interesse Nacional (PIN), é parte de uma estratégia cujo objectivo é o de colocar o território nacional, incluindo as suas riquezas naturais e paisagísticas, à disposição do grande capital e das suas estratégias, independentemente das consequências negativas para o desenvolvimento integrado do País.
2.2.29.3. Numa linha de desresponsabilização crescente do Estado em matéria de preservação da natureza, esta é cada vez mais relegada para o nível do negócio, onde se insere também a mercantilização da biodiversidade, com a entrega da gestão das áreas protegidas a grupos privados e a implantação de empreendimentos imobiliários/turísticos de grande envergadura no interior de Parques, Reservas e Paisagens Protegidas. A ocupação por grandes empreendimentos isolados sem interacção económica com o tecido natural e social em que se inserem, contribui, ao contrário do que a propaganda do Governo quer fazer crer, para o abandono da terra pelas populações locais, com maior intensidade nas áreas protegidas, e para o acentuar do processo de desertificação de vastas áreas do interior do País.
2.2.30. A evolução da situação no plano social fica marcada nos últimos anos, em resultado do prosseguimento e aprofundamento da política de direita por parte do Governo PS, por um extraordinário agravamento.
2.2.31. A acção do Governo PS e da sua maioria parlamentar – assumindo com o apoio do PSD e CDS-PP as exigências do grande capital —–, deu novos e graves passos no sentido da destruição de direitos conquistados pelos trabalhadores e o povo português.
2.2.31.1. O Sistema Público de Ensino, a Segurança Social e o Serviço Nacional de Saúde sofreram nestes últimos anos uma das maiores ofensivas de sempre. Conquistas universais e civilizacionais no plano social são, pela mão do actual Governo e na linha de políticas prosseguidas por executivos anteriores, objecto de tentativas liquidatárias.
2.2.32. A revisão do Código do Trabalho, ao arrepio dos compromissos anteriormente assumidos pelo PS quando da aprovação pelo governo PSD/CDS-PP, no sentido de rever as normas mais gravosas do Código da responsabilidade de Bagão Félix, constitui um passo adiante na fragilização das relações de trabalho e na criação de condições para o aumento da exploração.
2.2.32.1. Aprofundar a flexibilização e a desregulação das relações laborais, liquidar a contratação colectiva, enfraquecer os sindicatos, reduzir garantias dos trabalhadores e reforçar o poder discricionário dos patrões, constituem as principais linhas de alteração ao Código do Trabalho contidas na proposta do Governo PS.
2.2.32.2. Com a sua proposta de alteração ao Código do Trabalho o Governo tem em vista facilitar os despedimentos, legalizar a precariedade laboral que atinge hoje mais de um milhão de trabalhadores e liquidar, a pretexto de simplificar o regime de caducidade das convenções colectivas, a importante conquista que a contratação colectiva representa. A eliminação do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador constitui um grave retrocesso no Direito do Trabalho e na relação entre trabalho e capital. O tempo de trabalho, pedra angular da exploração, e a histórica conquista do horário de trabalho das 8 horas diárias e 40 semanais são hoje postos em causa através de alterações ao código que possibilitam a imposição pelo patronato de horários de trabalho que podem ir até às 12 horas diárias e 60 horas semanais, sem o pagamento de trabalho suplementar.
2.2.33. De forma articulada e simultânea, o Governo desenvolve uma fortíssima ofensiva legislativa contra trabalhadores da Administração Pública, destinada a retirar direitos e a fragilizar as relações de trabalho. O Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas, dando corpo à inconstitucional lei dos vínculos, carreiras e remunerações, materializa o fim do vinculo público de emprego para milhares de trabalhadores e introduz o conceito de inadaptação, que cruzado com o SIADAP, consagra critérios de discricionariedade e arbitrariedade conducentes ao despedimento . A mobilidade especial, a alteração conceptual de quadros de pessoal para mapas de pessoal, a fixação de objectivos por serviço, a introdução do princípio da dependência orçamental do serviço para a definição anual do número de trabalhadores necessários ou possíveis, bem com a dependência das promoções face ao orçamento, constituem elementos, a par do Sistema integrado de Avaliação, do Estatuto Disciplinar e da Lei dos Vínculos Carreiras e Remunerações, de um processo mais vasto.
2.2.33.1. A teia legislativa urdida contra os trabalhadores da administração pública, além da sua natureza intimidatória, não é separável do processo de ataque às funções sociais do Estado e da inerente degradação da sua prestação, nem da crescente partidarização e submissão da administração pública aos interesses do grande capital. As campanhas contra a administração pública e a sua dimensão tentam ignorar, deliberadamente, que a sua configuração está directamente associada aos direitos conquistados e que o número de trabalhadores ao seu serviço e a extensão da sua desconcentrarão territorial são expressão da profunda transformação democrática resultante das conquistas sociais e económicas.
2.2.34. O aprofundamento da política de direita acentuou as desigualdades. Aumentou o fosso entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres, sendo o rendimento dos 20% mais ricos, em 2005, mais de oito vezes superior ao dos mais pobres. Cerca de 18% da população portuguesa vive abaixo do limiar da pobreza, 20% das crianças e jovens até aos 17 anos vivem abaixo do limiar da pobreza, assim como 25% dos portugueses com mais de 65 anos. Quase três milhões de portugueses vivem com menos de 10 euros por dia e mais de 230 mil com menos de 5 euros. Segundo um estudo recente sobre a pobreza, 40% dos pobres são trabalhadores por conta própria ou por conta de outrém, confirmando o empobrecimento acentuado dos que vivem dos rendimentos do trabalho.
2.2.35. Enquanto aumenta o custo de vida e as taxas de juro à habitação atingem os valores mais altos dos últimos anos, os salários degradam-se (afastando-se cada vez mais da média da União Europeia), o endividamento familiar atinge níveis incomportáveis, o nível de vida da maioria da população portuguesa baixa aceleradamente.
2.2.36. A evolução dos salários, do emprego e do desemprego nos últimos anos explica a razão porque Portugal é um dos países com maiores desequilíbrios na distribuição dos rendimentos. Os salários continuam em perda contínua: em 2006, num país que detém um valor médio dos salários abaixo de metade da média europeia, e a divergir desde 2000 face ao ordenado médio da OCDE, o salário médio real caiu 2,6% (enquanto na OCDE cresceu 1,3%), sendo agora o quarto país com menor poder de compra. A que se acrescenta o facto de o salário mínimo nacional ser o mais baixo da UE a 15. A distribuição da riqueza produzida situa-se em cerca de 60% para o capital e 40% para o trabalho (dados de 2005), quando em 1975 chegou a ser o inverso.
2.2.37. Os níveis de desemprego, os mais elevados das duas últimas décadas, atingindo cerca de seiscentos mil trabalhadores, correspondem a uma taxa de 8% em sentido restrito e de 10,5% em sentido lato. Verifica-se uma acentuada destruição de empregos qualificados e de vínculos efectivos, e uma elevada incidência do desemprego de longa duração (que, em sentido contrário ao dos países da OCDE, tem vindo a agravar-se, tendo a taxa dos que procuravam emprego há mais de 12 meses passado de 43,2%, em 2004, para 47,3% em 2007), dos jovens e mulheres. O desemprego absorveu quase na totalidade o crescimento registado na população activa. A protecção no desemprego foi significativamente reduzida e os desempregados afectados na sua dignidade.
2.2.38. O emprego tornou-se mais vulnerável e inseguro em resultado das opções da política económica e social do Governo PS. A qualidade do emprego degradou-se e o trabalho sem direitos tornou-se uma realidade estrutural na sociedade portuguesa. A precariedade – para a qual as empresas de trabalho temporário deram um importante contributo – transformou-se em política de Estado afectando cerca de um milhão e duzentos mil trabalhadores.
2.2.38.1. O desrespeito pelas leis laborais, o emprego precário, a economia paralela e o falso trabalho independente representam as principais formas de desregulamentação do trabalho no nosso País.
2.2.39. Em resultado da política seguida por sucessivos governos, a situação da juventude viu-se particularmente agravada com a acção do actual Governo. O agravamento da precariedade e do desemprego, com particular incidência nas camadas mais jovens (14,3% nos trabalhadores até aos 24 anos), as alterações na educação, designadamente com o aumento das propinas e a elitização do ensino e o ataque à escola pública, os cortes a uma política de incentivo ao arrendamento jovem, comprometendo ainda mais o acesso à habitação, são algumas das expressões de uma política que consagrou a instabilidade, a incerteza e as dificuldades na vida de milhares de jovens comprometendo o seu futuro e o direito a uma vida digna.
2.2.39.1. Uma situação extensível ao conjunto de novas gerações de trabalhadores que, perante a insegurança de emprego e as elevadas cargas horárias, os baixos salários, os constantes e incomportáveis aumentos das taxas de juro nos empréstimos para aquisição de habitação, a falta de apoio social, designadamente de equipamentos de apoio à infância, vêem dificultado, ou mesmo comprometido, o seu objectivo de começar a vida activa, ganhar autonomia e independência financeira, constituir família.
2.2.12. No sentido tradicional do «mais Estado» está o desenvolvimento do papel instrumental do Estado, através da reforçada ligação entre o poder político e o poder económico, ao serviço do favorecimento e financiamento públicos da acumulação, concentração e centralização aceleradas do capital privado, com a recomposição dos grandes grupos económicos privados.
2.2.12.1. Adoptando e adaptando o Estado às teses neoliberais do grande capital – o «menos Estado», a «maior eficiência da gestão privada», o Estado regulador e não produtor – a política de direita, apoiada nas orientações comunitárias, concretiza as privatizações, liberaliza o mercado de trabalho, promove a transferência de fundos comunitários para o grande capital e permite o papel predador do sector financeiro junto das micro, pequenas e médias empresas, do sector produtivo e da generalidade dos cidadãos, proporcionando lucros obscenos e o crescimento exponencial dos patrimónios mobiliário e imobiliário.
2.2.13. Na reorganização e redefinição das funções do Estado destaca-se na actualidade, como conceito nuclear, o das chamadas «entidades reguladoras» e a teoria, que lhe está associada, da separação das funções de prestação das de regulação, usada para justificar a progressiva retirada dos serviços públicos da prestação de serviços e intervenção em áreas essenciais. A entrega da regulação a essas entidades administrativas especiais – as entidades reguladoras – alheias elas próprias aos serviços públicos, que intervêm de facto no sentido do favorecimento da monopolização das actividades que deviam regular.
2.2.14. A tese sobre um Estado regulador visa iludir o papel do Estado enquanto instrumento que impõe, no quadro do capitalismo, a manutenção e aprofundamento das relações de produção baseadas na exploração. A ideia de um Estado e de um poder acima da vida económica e sem vocação económica, supostamente confinado a um papel de mediador de conflitos nos casos em que o mercado se revelasse incapaz de assegurar a harmonia das relações económicas, visa iludir a natureza de um poder político inteiramente subordinado e ao serviço do poder económico. A ideia de uma regulação atribuída a entidades apresentadas como «independentes», visa iludir a missão que lhes está atribuída de garantir a gestão dos interesses e dos ganhos dos grandes grupos económicos que operam nas áreas que regulam.
2.2.15. O agravamento da situação económica geral do País, e a própria deterioração da posição de Portugal no contexto dos países da União Europeia, em particular da divergência real medida pela evolução do PIB per capita, é a resultante consistente das políticas económicas e sociais ao longo dos últimos trinta e dois anos. E muito em particular das opções pela inserção internacional e integração comunitária descrita; das políticas de reconstituição dos grupos económicos monopolistas e destruição do sector empresarial do Estado, da destruição dos sectores produtivos por contraponto à financeirização da economia nacional; do lugar estratégico concedido ao capital estrangeiro; das políticas de subestimação do papel nuclear da educação, da cultura e do I&D para uma mão-de-obra qualificada; das políticas de restrições orçamentais e de desvio do investimento de objectivos estratégicos e nacionais (designadamente a má utilização de três Quadros Comunitários de Apoio); e das políticas que acentuaram o défice energético com uma elevada dependência dos combustíveis fósseis.
2.2.16. Os resultados de trinta e dois anos de política de direita traduziram-se numa economia caracterizada pela consolidação de uma estrutura produtiva de reduzida composição orgânica do capital e um perfil produtivo de baixo valor acrescentado, assente na exploração de mão-de-obra barata e precária e dos recursos naturais do País.
2.2.17. Na avaliação da estrutura económica produtiva podem destacar-se, de forma sumária, um sector primário – agricultura, pescas, indústria extractiva – que se confronta com uma crise profunda e uma continuada redução da capacidade produtiva no caso das duas primeiras, agravando a dependência externa do País face a matérias-primas essenciais, ao mesmo tempo que não se aproveitam os recursos naturais existentes ou se dá ao capital estrangeiro a sua exploração.
2.2.17.1. O sector agrícola foi profundamente afectado na sua capacidade produtiva, limitado nas suas potencialidades de expansão decorrentes dos constrangimentos da Política Agrícola Comum e da falta de um plano estratégico nacional de desenvolvimento do sector, encontrando-se a braços com uma profunda crise económica e social traduzida num aumento da dependência alimentar, com um défice da balança agrícola que ronda os 80%, pondo em causa a soberania alimentar.
2.2.17.2. Nos campos da grande propriedade do Sul (Alentejo e Ribatejo), a destruição da Reforma Agrária, a consequente reconstituição da propriedade latifundiária, a PAC e as políticas agrícolas de direita no País, determinaram a coexistência da manutenção de grandes explorações com terras incultas ou subaproveitadas, a par de um surto de capitalismo agrário, dinamizado em grande medida por capital estrangeiro, centrado em algumas produções, e de uma significativa pressão sobre o uso da terra para projectos de agroturismo e especulação imobiliária. Na zona do minifúndio do Norte e centro crescem a liquidação de pequenas e médias explorações agrícolas, o abandono dos campos e a desertificação do mundo rural, resultado da perda de rendimento agrícola, fruto das dificuldades de escoamento dos produtos e do aumento dos custos de produção.
2.2.17.3. O sector das pescas sofreu uma evolução semelhante, face à ausência de uma política de defesa do sector a nível nacional e os condicionalismos impostos pela Política Comum de Pescas. Nos últimos 20 anos verificou-se um aumento do défice comercial ao nível dos produtos da pescas, que ronda hoje os 70%. A dificuldade de manter preços de primeira venda, conjugada com o aumento dos custos de produção, nomeadamente dos combustíveis, tem provocado uma perda de rentabilidade do sector,
gravando a situação económica e social das regiões costeiras dependentes da pesca.
2.2.17.4. O domínio completo do sector mineiro pelo capital estrangeiro e a ausência de transformação no País, mantém a sua grande vulnerabilidade e dependência dos mercados externos. Nas rochas ornamentais e industriais, a valorização nacional continua igualmente muito reduzida e insuficiente.
2.2.18. No sector secundário, depois da liquidação ou redução de sectores como o siderúrgico, naval, metalomecânico ou químico, predomina um tecido industrial constituído em grande parte por empresas tecnologicamente atrasadas e por uma significativa presença da chamada economia paralela ou informal.
2.2.18.1. A presença significativa da indústria automóvel e de alguns outros subsectores, e os seus efeitos indutores na indústria de componentes, não compensou os aspectos negativos assinalados e agrava traços de dependência de um único sector em várias regiões do País. É preocupante o início de encerramentos e deslocalizações na fileira. Na construção civil e obras públicas verificou-se uma evolução contraditória com uma brutal sobreprodução na habitação de fogos novos, uma muito insuficiente ou nula reabilitação de habitação antiga e um desenvolvimento reduzido das obras públicas.
2.2.19. O sector terciário tem tido um elevado crescimento nas últimas décadas. Sob o ponto de vista qualitativo são de destacar as profundas alterações nos dois últimos decénios, com o crescimento explosivo dos novos formatos comerciais, onde avultam as grandes superfícies (hipermercados e supermercados) e a redução brutal do pequeno comércio. A actividade imobiliária – fortemente penetrada pelo sector bancário e os fundos de investimento, sujeita a movimentos especulativos e processos de lavagem de dinheiro – teve, a partir de meados da década de 90, um grande e anormal desenvolvimento, com implicações directas na política de habitação. Os designados serviços prestados às empresas incluem um amplo e diversificado conjunto de actividades – com origem muitas delas em processos de reestruturação empresarial com externalização de serviços – com uma forte contribuição para a precariedade laboral. No turismo, sector que conheceu índices de crescimento significativos na última década, assiste-se a uma concentração ditada pela crescente penetração e domínio do capital financeiro e de grupos económicos.
2.2.19.1. O sector financeiro – coração dos principais grupos monopolistas portugueses e um lugar estratégico do capital transnacional –, que funciona como centro de acumulação e de distribuição de capital, através da transferência de riqueza do sector produtivo e das pequenas empresas, e bem assim das poupanças e das pensões de reforma, vem assumindo preponderância crescente no processo económico, o que lhe permite apropriar-se de uma parcela crescente da mais-valia, seja por via do crédito concedido, seja por via dos dividendos resultantes da sua participação no capital de empresas produtivas, ou da cobrança de taxas e comissões sobre os depósitos e as várias operações bancárias, tanto das empresas como dos trabalhadores.
2.2.20. Os principais défices estruturais do País são de insuficiente produção material – bens alimentares e industriais – energética, de transportes e logística e de I&D, com consequências no galopante endividamento externo.
2.2.20.1. A dependência de bens materiais agravou-se nos últimos anos. A balança de bens agravou-se 36% entre 2003 e 2007. A dependência alimentar, medida no desequilíbrio da balança de bens agroalimentares, agravou-se 11,9%. Manteve-se um forte défice energético e a forte dependência do petróleo e outros combustíveis fósseis. Um défice que resulta da ausência de medidas de racionalização do uso da energia, e em particular na política de transportes, e do insuficiente investimento na produção das energias endógenas, renováveis e limpas. Manteve-se igualmente um persistente défice da estrutura de transportes e logística, resultado de políticas e medidas sujeitas ao objectivo de total privatização e liberalização do sector, e total subordinação aos interesses do grande capital. A actividade de I&D, a investigação cientifica e o desenvolvimento de produtos e serviços, apesar da existência de importantes pólos, bem como actividades conexas de carácter científico e técnico, permanecem a níveis insignificantes e marginais. Mantêm-se reduzidos níveis de formação científica e técnica dos sistemas de ensino e formação profissional, a liquidação de múltiplas actividades produtivas, algumas das quais de sectores de tecnologia avançada e o baixo nível de integração do conhecimento cientifico na actividade económica.
2.2.21. Em Portugal coexistem várias formações económicas com dinâmicas diversas e contraditórias, no quadro determinante do desenvolvimento do capitalismo monopolista: o sector público empresarial viu diminuído drasticamente o seu peso, as empresas privadas alargaram fortemente o domínio e presença, as empresas de capital estrangeiro ganharam relevo e protagonismo. A estrutura empresarial da economia portuguesa é dominada por micro e pequenas empresas – em 2006, 99,4% do total de empresas, 49,1% do volume de negócios e 62,2% do emprego; o sector público tem ainda algumas grandes e médias empresas onde se verifica a presença, por vezes muito significativa, de capitais públicos – cerca de 110 empresas – onde se incluem algumas com o estatuto de empresas públicas ou equiparadas; o sector cooperativo e social tem um peso económico e social significativo (4,2% do PIB e 175 mil trabalhadores), destacando-se o sector agrícola (em especial o leiteiro e o vitivinícola), a habitação, o consumo e o apoio social.
2.2.22. As políticas económicas de direita de sucessivos governos do PS e PSD assumiram uma identidade que vai muito para além de simples proximidade ou semelhanças traduzidas em acordos parlamentares ou pactos em torno de certas matérias. Porque é uma identidade fundada em idênticos princípios, objectivos e práticas governamentais, tendo por base o capitalismo e por enquadramento a integração capitalista europeia. Essa identidade, que a retórica de oposição mal disfarça, tem expressão concreta num importante conjunto de políticas governamentais, como Orçamentos do Estado, política fiscal, privatizações e liberalizações, políticas de emprego, políticas de investimento.
2.2.23. A política orçamental tem sido assumida como um instrumento basilar dos sucessivos governos no prosseguimento de objectivos centrais da política de direita, entre os quais a reconfiguração neoliberal do Estado. As imposições do Pacto de Estabilidade e Crescimento (aprovadas e apoiadas por PS,PSD e CDS/PP) têm sido usadas para, ano após ano, reduzirem o peso das despesas de carácter social, o financiamento das estruturas do Estado e para penalizarem, por via do agravamento dos imposto e taxas cobradas, os trabalhadores e as pequenas e médias empresas, enquanto promovem a transferência de fundos públicos e garantem vultuosos benefícios fiscais para o grande capital nacional e estrangeiro.
2.2.24. A política de privatizações vem expulsando o Estado da esfera empresarial tanto da produção de bens materiais como de serviços essenciais ao desenvolvimento económico do País.
2.2.24.1. O Governo PS/Sócrates demonstra ser um bom executante dessa política, quer pelas privatizações já realizadas (PORTUCEL, EDP, GALP, Siderurgia, EDA) quer pelas que já anunciou, algumas disfarçadas de «concessões» (ANA, Estradas de Portugal, E.P., Águas de Portugal, Matas Nacionais). Com o estrito objectivo de obtenção de receitas para redução da Dívida Pública e reforço de grupos monopolistas, sendo de destacar a entrega da GALP ao Grupo Amorim, a sua concretização não tem qualquer justificação económica ou de interesse público. Estas decisões assumem particular gravidade dada a natureza dos bens e serviços produzidos pelas empresas privatizadas, o reforço de estruturas monopolistas privadas na economia nacional (algumas são monopólios «naturais») e o seu papel estruturante no ordenamento do território (REN, ANA, EP) ou estratégico na economia (caso da PORTUCEL na fileira florestal, agora agravada com a possível entrega da gestão de matas nacionais, como o Pinhal de Leiria). Fica igualmente demonstrada, através da evolução das alterações estatutárias das formas societárias e faseamento das privatizações das empresas públicas, a fraude política da argumentação de sucessivos governos que, sempre assegurando a garantia da presença e comando do Estado, acabam por as entregar total e definitivamente ao capital privado e grandes grupos económicos.
2.2.1. O enquadramento da situação económica nacional é inseparável da fase actual do desenvolvimento do capitalismo, com os seus principais traços, tendências e contradições.
2.2.2. As relações económicas externas do País – fluxos de capitais, mercadorias, bens e serviços, e posições nas estruturas de regulação económica mundial – passaram a ser crescentemente condicionadas pela integração comunitária e também por outros centros de articulação supranacional do imperialismo. Condicionamento reforçado pela colaboração activa de sucessivos governos do PSD e PS, com uma evolução da União Europeia que conflitua com o necessário desenvolvimento do País, na completa submissão às orientações económicas comunitárias e na total abdicação e ausência de afirmação de uma estratégia de defesa dos interesses e soberania nacionais.
2.2.2.1. Três vectores no actual quadro comunitário conflituam de forma cada vez mais determinante com a economia nacional e o próprio futuro do País, a sua independência e soberania nacionais: o acentuar da configuração federal sob o comando político e económico das grandes potências; a consolidação da zona euro e da sua gestão pelo BCE; e o domínio das teses e orientações neoliberais estruturantes da Estratégia de Lisboa. A que deverá acrescentar-se uma acentuada dependência estrutural externa, bem patente no elevado endividamento liquido externo (90% do PIB em 2007), e a vulnerabilidade da economia face a centros de decisão estrangeiros/capital transnacional – significativa subcontratação, um terço da estrutura accionista das empresas nacionais detida por capital estrangeiro, com uma forte presença em empresas e sectores estratégicos (EDP, 48%, PT, 64%, GALP, 50%, CIMPOR, 30%, BCP, 36% e outras, como a BRISA, SEMAPA, BES, BPI, SOMAGUE).
2.2.2.2. O crescente federalismo das instituições comunitárias reduz, ou mesmo anula, a capacidade para influenciar a condução das políticas económicas por parte dos países como Portugal, como sucede no comércio externo da União Europeia, nomeadamente na OMC em torno da agricultura e do sector têxtil.
2.2.2.3. A União Económica e Monetária (UEM), com a perda das políticas monetária e cambial, com as limitações impostas à política orçamental, pela sua submissão aos critérios de convergência nominal no Pacto de Estabilidade, a estrita política monetarista levada a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE) por um euro fortemente valorizado e a gestão da taxa de juro nessa óptica, e com o objectivo máximo da estabilidade dos preços/salários, transformaram-se num insuperável constrangimento para uma economia com as debilidades da portuguesa.
2.2.2.4. A última versão da «Estratégia de Lisboa», reforçando os seus fundamentos neoliberais de privatização e liberalização de serviços públicos, sectores estratégicos e do mercado de trabalho, a negociação da agenda neoliberal da OMC e de vários tratados comerciais bilaterais pela União Europeia e, em geral, as orientações respeitantes à Política Agrícola Comum (PAC) e Política Comum das Pescas (PCP), ampliam os problemas e fragilidades da economia nacional e acentuam a sua dependência e défices estruturais.
2.2.3. O processo de alargamento da União Europeia, já realizado ou em curso, a países com uma mão-de-obra mais barata e mais qualificada, veio reforçar a falência da estratégia de sucessivos governos de fazer de Portugal localização privilegiada de unidades de trabalho intensivo e baixos salários. Um processo que se adiciona e converge com outras políticas comunitárias para uma divisão do trabalho no espaço europeu altamente desvantajosa para o País, com crescente e negativo impacto na economia nacional. A deslocalização de empresas do sector produtivo, acompanhada crescentemente pela deslocalização de serviços, causam não só graves problemas sociais (desemprego, encargos para a segurança social), como tem contribuído para a perda de importantes unidades produtivas.
2.2.4. Esta situação, para além de criar sérios constrangimentos ao desenvolvimento económico do País – em particular pela extrema dependência externa da economia nacional e pela condução, através de órgãos comunitários ou entidades ditas independentes, como o BCE, de importantes políticas (agrícola, pescas e outras) que defendem interesses e objectivos das grandes potências europeias e do grande capital europeu –, estabelece a perda ou limitações drásticas, no âmbito do uso de importantes instrumentos económicos como a moeda, a taxa de câmbio, as taxas de juro, a gestão orçamental e o comércio externo.
2.2.4.1. Estes condicionamentos e limitações exigem a afirmação clara e inequívoca da soberania nacional como princípio inalienável da inserção e relacionamento de Portugal na Europa e no Mundo, nomeadamente na reconsideração do enquadramento e integração da economia portuguesa no âmbito da UE e suas determinações.
2.2.5. A sociedade portuguesa tem hoje uma estrutura económico-social determinada pela ditadura dos grupos económicos monopolistas associados ao capital transnacional. Uma poderosa oligarquia financeira (associada a outros sectores da grande burguesia portuguesa e estrangeira) assegura, através da titularidade desses grupos a continuidade, reprodução e expansão do seu poder político, económico, social e ideológico, exercendo o que configura um autêntico poder totalitário sobre a generalidade das outras camadas sociais e sob diversos ângulos. Estruturados e representados por grupos familiares velhos conhecidos (que suportaram e apoiaram a ditadura fascista) ou que despontaram com a contra-revolução, tecem entre si, e com o capital estrangeiro, uma densa rede de ligações económicas e financeiras, sociais e políticas.
2.2.5.1. Trinta e quatro anos depois das transformações revolucionárias de Abril, esse conjunto de grupos económicos, resultante da política de recuperação capitalista e monopolista, tem um papel dominante e determinante no quadro das relações de produção capitalista da sociedade portuguesa.
2.2.6. Existem em Portugal 139 grandes grupos económicos, 77,6% dos quais criados nos últimos 18 anos, em resultado directo do processo de privatização e consequente restauração dos grandes grupos monopolistas. As operações de privatização efectuadas nas duas últimas décadas pelos vários governos fizeram regressar às mãos do sector privado, em condições altamente vantajosas, sectores estratégicos como a Banca, Seguros, Energia, Telecomunicações, Transportes Colectivos Rodoviários, Cimentos, Pasta de Papel e Sector Químico. Sucessivos aumentos de capital reforçaram a presença do grande capital nacional e abriram portas a capital estrangeiro.
2.2.6.1. A análise dos maiores Grupos Económicos Nacionais no final de 2005, mostra-nos que dos doze grupos com lucros mais elevados, com um valor superior a 250 milhões de euros, apenas dois se encontram ligados predominantemente à actividade produtiva (cimentos – Cimpor e papel – Semapa). Este conjunto de Grupos Económicos, ao mesmo tempo que a nossa economia crescia a um ritmo médio de apenas 1,3% entre 2004 e 2007, viu os seus lucros aumentarem de 75%, atingindo os 6,8 mil milhões de euros – 4,2% do PIB.
2.2.6.2. A evolução tão díspar entre os grandes grupos económicos e o restante tecido produtivo nacional, espelha uma das características mais marcantes da evolução da nossa economia nos últimos anos, o seu carácter dual – enquanto o sector produtivo fornecedor dos chamados bens transaccionáveis vem evoluindo a ritmos de crescimento muito baixos, próximos de zero, o sector dos bens não transaccionáveis – financeiro, energia, imobiliário, telecomunicações, serviços – cresce a ritmos elevados e reproduz lucros sobre lucros.
2.2.6.3. Com um poder fortemente monopolista sobre um conjunto de sectores e áreas estratégicas para o País e para o restante tecido económico, e particularmente activos nas operações de privatização do que resta do Sector Empresarial do Estado, estes grupos vêem reforçada esta natureza monopolista, quer pela destruição e absorção de concorrentes nacionais, quer por associações em que cruzam participações e/ou repartição de mercados e concertação de preços, quer pela aliança privilegiada com poderosas transnacionais.
2.2.6.4. É também significativo a sua profunda articulação com o capital transnacional, através da posse de grande parte dos activos – em muitos casos superior a 50% da estrutura accionista – dos grandes grupos económicos nacionais por parte de capitais estrangeiros. Uma situação que é insustentável, já que coloca a economia portuguesa nas mãos dos capitais externos e, no limite, põe em causa a soberania nacional.
2.2.7. A extraordinária dimensão e poder económico actual destes grupos capitalistas e monopolistas consolida-se e desenvolve-se em permanente articulação, cumplicidade e promiscuidade com o poder político e os partidos – PS, PSD e CDS-PP – que o exercem desde 1976. O poder económico remunera-se através dos dividendos, lucros e vencimentos fabulosos dos seus representantes, o poder político através dos vencimentos e privilégios da sua clientela e dos negócios que a sua presença na administração desses grupos, conjugada com o poder político que detêm, lhes vão proporcionando.
2.2.7.1. O domínio crescente do poder económico (nacional e transnacional) explica a ampla produção legislativa da Assembleia da República e dos governos, destinada a consagrar opções favoráveis a esses interesses de classe, designadamente através do desequilíbrio a favor do grande patronato, das relações laborais e níveis salariais, da condução das políticas orçamental e fiscal, do favorecimento dos mecanismos de transferência de rendimento e mercados dos micro, pequenos e médios empresários para esses grupos, e da apropriação de património e mercados públicos, com as privatizações e liberalizações feitas à medida das capacidades de encaixe desses grupos.
2.2.8. A generalidade dos grandes grupos económicos possui hoje incomensuráveis capacidades e instrumentos para o exercício de um efectivo poder ideológico, através de meios para a produção e transmissão, directa e indirecta, da ideologia dominante. É particularmente significativa a sua posição no sector dos media, onde alguns grupos – Cofina, Impresa, Controlinvest, Sonae Com, Impala – absorveram mais de uma centena dos principais órgãos de comunicação social, com influência decisiva na formação e condicionamento da opinião e dos comportamentos dos portugueses. O recente e crescente domínio por estes grupos do sector editorial, as suas acções de promotores e mecenato no campo das artes e a sua articulação multifacetada com estruturas do ensino (do Básico ao Superior) e de Investigação e Desenvolvimento, contribuem igualmente para a sua hegemonia no plano da produção ideológica.
2.2.9. O Estado, pela sua natureza de classe, integra, mantém e assegura o funcionamento do modo de produção capitalista, através de um permanente e crescente processo de acumulação . Em resultado de processos económicos, políticos e sociais complexos e, fundamentalmente, das lutas de classes no século XX, o Estado passou também a integrar estruturas e políticas viradas para a prestação de serviços sociais relevantes e empresas para o fornecimento de bens essenciais. Em Portugal esta presença do Estado, posta em causa com o processo contra-revolucionário, foi fundamentalmente constituída e configurada com a Revolução do 25 de Abril, com o impulso aos sistemas públicos de educação, de saúde e segurança social e com as nacionalizações.
2.2.10. A ofensiva neoliberal em curso visa a destruição ou a redução a expressões residuais das funções e missões do Estado nas áreas sociais e empresariais. Simultaneamente reforçam-se as orientações e as políticas que favoreçam a acumulação capitalista e o desenvolvimento monopolista.
2.2.10.1. Preocupados com baixas taxas de rentabilidade, em particular em sectores tradicionais, e com a volatilidade dos mercados financeiros, o capital procura novos espaços económicos sólidos para a realização e apropriação da mais-valia. O capital não só se apropria das empresas do sector empresarial do Estado privatizadas e dos mercados públicos liberalizados, como se expande e absorve áreas crescentes de serviços públicos (saúde, educação, segurança social, correios, água), e mesmo de serviços típicos da Administração Central (notariado, segurança, consultadoria) transformados em importantes fonte de lucros.
2.2.11. A penetração do grande capital/capital monopolista faz-se por via directa – o investimento na criação de novas empresas de serviços, como sucede com novos hospitais privados – e através de fórmulas sofisticadas e diversificadas, como acontece com as «concessões» (rede de auto-estradas), com as «parcerias público-privadas» (rede de novos hospitais construídos com dinheiros públicos) com os «protocolos de contratação de serviços» (área da saúde) ou, antecedendo uma previsível privatização (parcial ou total), com a empresarialização de actividades tradicionalmente a cargo da Administração Central, como acontece com os hospitais EPE, ou a recente transformação da Estradas de Portugal em Sociedade Anónima, a quem é entregue, «em concessão», a rede viária nacional por 75 anos. Uma centralização do capital que encontra no nosso País um Estado dedicado à reconstrução monopolista.