Calculadoras no ensino da Matemática
O estudo das funções do cérebro no domínio da cognição tem revelado a forma como diversos componentes da nossa mente se desenvolvem e articulam para permitir os desempenhos de que somos capazes.
O capítulo da aprendizagem começa a ter que ser considerado como parceiro orientador dos programas de ensino e, bem assim, aquele que se dedica ao estudo das capacidades de cálculo merece também atenção particular. Vem isto a propósito da discussão sobre a introdução do uso de calculadoras em fase precoce do ensino da matemática que nos parece uma medida contrária ao normal desenvolvimento da aprendizagem desta importante componente cognitiva.
A nossa constituição biológica natural fornece-nos instrumentos cognitivos básicos que utilizamos no início da vida de forma intuitiva. A capacidade de cálculo é um desses instrumentos. Os bebés de seis meses são capazes de fazer operações de cálculo, tal como alguns seres de outras espécies. O papel da escolarização é trazer para o domínio do pensamento consciente essas capacidades e dominá-las no contexto de uma nova lógica de representação simbólica com potencial desenvolvimento criativo, adaptado aos problemas que a vida do Universo levanta.
O cálculo intuitivo, inconsciente, das idades pré-escolares depende de operadores cerebrais localizados no hemisfério direito. A sua tradução para uma forma de representação simbólica implica o recurso a funções sedeadas no hemisfério esquerdo. O domínio da representação simbólica dos dígitos, da representação, no espaço, das operações e a memorização de competências elementares (como a tabuada), entre outros, são instrumentos preciosos e fundamentais para alicerçar um progresso no conhecimento da matemática.
Estas operações elementares são não só instrumentos básicos de futura combinação, mas são também matrizes de pensamento que são chaves de acesso ao intuitivo inconsciente que importa recrutar no processo de aprendizagem. Ou, por outras palavras, a escolarização deve ter por objectivo a construção de uma matriz primária de conhecimento, constituída por regras aprendidas e de fácil acesso mental (guardadas em memória) que sirva de interface entre o que é intuitivo, e constitui o potencial individual para esta competência, e o que hoje informa o corpo do saber neste domínio.
É evidente que estou a falar da matemática tal como hoje a entendemos e, por isso, julgo que entregar uma calculadora a um aluno que está em fase precoce de aprendizagem se pode equiparar a dar um automóvel a uma criança que está a começar a andar para que o não faça e se movimente mais facilmente. Admito que muita coisa vai mudando no nosso processo adaptativo ao mundo, e admito também que o progresso do conhecimento nos vai tornando cada vez mais dependente das máquinas que fomos capazes de criar.
Talvez seja cedo, contudo, para criar a dependência das máquinas numa idade em que o nosso cérebro é, sem dúvida, a máquina mais competente para resolver os problemas, desde que o saibamos informar adequadamente. Se assim não fizermos, vamos continuar na cauda do mundo no que respeita a competências cognitivas, e seremos capazes de nunca vir a inventar máquinas que nos ajudem quando as operações exigem capacidades que o nosso cérebro não tem.
As calculadoras não precisam de ir à Escola, mas os meninos e as meninas precisam, e a Escola deve saber o que fazer com eles e elas.
Fonte: Público [Alexandre Castro Caldas - Professor de Neurologia - 24/07/2007]
In Matemática na Net - Calculadoras no ensino da Matemática
adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge