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O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

O internacionalismo de massas na resistência ao imperialismo

    Um dos aspectos fundamentais da atuação do PCdoB é a luta antiimperialista, essência de sua linha política. Mesmo quando estão na ordem do dia lutas estritamente internas - como a questão nacional, a ampliação da democracia, as melhorias sociais e os processos internos de reivindicação popular -, ainda que se analise o cenário apenas do ponto de vista brasileiro, a questão antiimperialista está presente. Isso porque não se pode conceber a questão nacional desligada de um sistema de dominação imperialista que foi montado secularmente no Brasil e cujo desmonte é uma obra que depende de medidas muito complexas resultantes de um processo revolucionário.

Ademais, a luta antiimperialista está intrinsecamente ligada ao combate cotidiano do povo brasileiro contra o sistema de dominação da grande burguesia monopolista e financeira, entrelaçadas com os potentados internacionais que tentam subjugar o país ou mantê-lo em sua órbita de poder geopolítico. Para as forças democráticas, patrióticas e populares brasileiras, isto significa que não há uma "muralha da China" a separar a questão nacional das questões democrática e social.

             

Ler Texto Integral

                              

Consolidar o progresso, afirmar o socialismo

Texto de Hugo Janeiro

    De visita a Portugal a convite do PCP, o presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PcdoB), Renato Rabelo, explicou ao Avante! o contexto da participação dos comunistas no governo liderado por Lula da Silva e a importância da consolidação, com contradições decorrentes da realidade brasileira, de políticas progressistas no quadro da luta pelo socialismo. Rabelo abordou ainda o reforço do partido no quadro eleitoral que se avizinha, a influência e afirmação do PCdoB entre as massas populares e junto dos trabalhadores, e o papel do Brasil no contexto da integração latino-americana e da alternativa à hegemonia do imperialismo, passo fundamental no combate pelo derrube do capitalismo e construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados, projecto que, explicou, partilham com os comunistas portugueses e outros partidos comunistas e operários do mundo.

          

Avante!: O secretário-geral do PCP esteve recentemente no Brasil a convite do PCdoB. Agora, é a vez do vosso partido visitar Portugal. Qual o âmbito desta visita?

Renato Rabelo: A visita que nos fez o secretário-geral Jerónimo de Sousa teve para nós grande significado, foi um ponto alto nas relações de cooperação e amizade entre os dois partidos. Estamos a retribuir essa visita na medida em que partilhamos os mesmos objectivos, os mesmos ideais, mesmo considerando a realidade própria de cada um, as diferenças económicas, políticas e sociais entre Portugal e o Brasil.

É também um momento para que possamos aprofundar o intercâmbio de ideais, a troca de opiniões, de conhecimento mútuo, de aprendizagem.

    O Brasil é um país que conserva gritantes discrepâncias sociais, no qual a opulência de uma minoria convive com a miséria de uma imensa maioria. A participação no governo de um partido com um projecto revolucionário de transformação da sociedade coloca, neste aspecto, algumas contradições?

É natural que sim porque a própria realidade política é feita de contradições. O nosso objectivo no governo passa por lutar pela construção de um projecto de desenvolvimento voltado para a democratização do país, a defesa da soberania nacional, o progresso social, e a integração solidária do subcontinente.

Boa parte desses objectivos podem ou não esgotar-se no decurso dos dois governos liderados por Lula. De todo o modo, são passos que abrem possibilidades ao objectivo estratégico do PCdoB, a construção do socialismo.

O governo Lula tem conseguido vitórias que são parciais, mas não desprezáveis. Avançou-se no campo da democratização do país; criaram-se mais de 7,5 milhões de empregos formais, algo muito significativo no caso brasileiro; iniciou-se um programa de redistribuição de rendimentos, sobretudo para os mais deserdados. O programa Bolsa Família chega hoje a 11 milhões de agregados e promove a escolarização das crianças. Para uma realidade tão desigual, estes são triunfos muito positivos.

Outra aspecto a considerar é a defesa da soberania. No contexto da América Latina, essa é uma questão fundamental e de grande actualidade, sobretudo numa fase em que a democratização da região choca com o imperialismo norte-americano e o controlo por este de uma área estratégica para os seus interesses.

Falámos de contradições, mas um país imenso como o Brasil tem também grandes potencialidades de transformação progressista. Qual a vossa orientação no que respeita às alianças que permitam consolidar uma alternativa à política de direita?

Nós temos uma relação de apoio e participação no governo, mas mantemos críticas tendo em conta o nosso projecto. A principal é à política macroeconómica, na medida em que considerarmos que uma linha conservadora é contrária ao progresso social.

Se compararmos o primeiro com o segundo mandato de Lula, há avanços também nesse sentido, registando-se actualmente uma política macroeconómica que classificamos de híbrida. Ao mesmo tempo que se mantêm aspectos da antiga política conservadora, consolidam-se aspectos antagónicos a esta, criando, também neste âmbito, várias contradições.

Por exemplo, há uma expansão do crédito bonificado para os que anteriormente não tinham acesso a ele, para aquelas propriedades rurais dedicadas à economia de subsistência. Cresceu o salário mínimo, e o seu aumento progressivo, constante, chega já a 30 por cento em termos reais, facto que tem um forte impacto social.

O impacto da crise financeira e económica mundial no Brasil acirrou o debate em torno da linha macroeconómica, sobretudo com a mudança no Ministério das Finanças. O anterior ministro era uma espécie de intermediário entre a esfera financeira e o governo. O ministro em funções é uma pessoa da confiança de Lula e tem uma postura que podemos considerar progressista.

Há por isso um embate entre o novo responsável do Ministério das Finanças e as forças que continuam às ordens do Banco Central, o qual, apesar de não ter uma independência formal, na prática insiste na mesma política neoliberal.

Por aqui podes ver que o debate sobre estas contradições cresce, e a crise mundial e os efeitos sobre o Brasil vieram estimular a discussão entre os dois caminhos: um que segue o receituário da contenção das despesas públicas, do aumento da taxa de juro; outro que defende que o Brasil tem de dispor de mecanismos de soberania face à instabilidade internacional, tem de fomentar a produção de alimentos, aumentar os investimentos em actividades produtivas ligadas à propriedade familiar, a qual no Brasil é muito ampla.

É nestes aspectos que referi que percebemos as contradições políticas no interior do governo, e as posições defendidas pelo PCdoB que visam conquistar posições de soberania nacional como passos para um objectivo maior, o socialismo. Para isso é também necessário acumular forças revolucionárias consequentes, e nós ainda não dispomos de uma correlação favorável.

    A democratização do acesso à terra é uma das bandeiras dos governos liderados por Lula da Silva, mas a Reforma Agrária enfrenta dificuldades para se impor. Existem relatos de perseguições a activistas do Movimento dos Sem-Terra, de massacres e, por vezes, de complacência da Justiça. Que medidas propõe o PCdoB para debelar esta situação?

A Reforma Agrária é um problema histórico no Brasil, um país com grandes extensões territoriais, grandes propriedades e muita mão-de-obra disponível e desapossada. Se aprofundarmos um pouco, percebemos que o que está em causa hoje é o caminho da Reforma Agrária, por isso nos encontramos num impasse.

Não adianta democratizar propriedade comprando terras. No Brasil, isso é um saco sem fundo. Compra-se a terra, assentam-se as pessoas, mas a prática mostra que não passa de um meio caminho, que estas acabam por se debater com falta de recursos técnicos, de crédito, etc..

A questão candente é a existência de regiões com grandes latifúndios de desenvolvimento capitalista intensivo, e de outras demasiado atrasadas. As áreas subaproveitadas são, por isso, prioritárias. É nelas que tem que se apostar construindo modelos cooperativos e, depois, agro-indústrias bem apetrechadas.

O governo tomou a iniciativa, pouco divulgada, da implementação de Territórios da Cidadania. São planos aplicados a mais de 40 zonas, todas muito atrasadas, nas quais, a par da distribuição da terra, se resolvem logo uma série de problemas tais como a construção de infra-estruturas, de saneamento básico e de vias de comunicação.

Evidentemente, continuamos a ter que enfrentar desafios e reacções dos grandes proprietários, do agronegócio, mas esses têm que ser enfrentados noutra fase, quando se colocar o confronto entre a posse privada de explorações desenvolvidas e a colectivização das mesmas.

Quanto à criminalização do MST, o governo federal não tem como prática a repressão. É claro que a justiça no Brasil ainda conserva parte do aparato do antigo Estado dos agrários. Faz parte da realidade transitória em que vivemos. A luta entre os grandes proprietários e os sem-terra vai continuar e faz parte da luta de classes em curso.
    Nos próximos anos realizam-se eleições municipais e estaduais. O PCdoB vai aproveitar a dinâmica das batalhas eleitorais para reforçar o partido e a sua influência junto dos movimentos de massas e dos trabalhadores?

Desde o ano passado que decidimos avançar com uma linha de orientação mais afirmativa da nossa identidade e projecto. Isso reflecte-se obviamente no âmbito eleitoral.

Nos sufrágios para os órgãos de poder local quase sempre apoiávamos o Partidos dos Trabalhadores (PT). Hoje, apresentamos uma quantidade apreciável de candidaturas, algumas em capitais de Estado como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte ou Porto Alegre, os maiores círculos eleitorais.

Os nossos candidatos estão bem posicionados nas intenções de voto. Em Porto Alegre estamos empatados com o PT. No Rio de Janeiro, estamos em segundo lugar e nas projecções para a segunda volta aparecemos com hipótese de ganhar. É sobretudo um investimento firme na afirmação partidária.

Vale a pena ainda considerar que as eleições de 2008 são um ponto de partida para as presidenciais de 2010. Se o PCdoB consegue vencer algumas das oito grandes cidades, isso terá um impressivo significado e um peso na discussão da continuidade, de forma consequente, deste ciclo político aberto com o Lula.

Sem dúvida que esta orientação vai abrir possibilidades enormes de afirmação das nossas propostas concretas para a situação actual. Julgamos que o PCdoB mostra a sua fisionomia a uma parcela maior da população, com evidente reflexo na influência política, na amplificação do apoio ao projecto revolucionário, e na acumulação de forças que exige.

Recentemente o PCdoB apoiou a formação de uma nova central sindical, a Confederação dos Trabalhadores do Brasil. Qual é o objectivo?

Decorre da questão de que falava. Nesse contexto de maior afirmação, é prioritária a influência no seio dos trabalhadores e do movimento sindical, por isso apoiámos a criação de uma central sindical.

Antes operávamos no âmbito da CUT, central sob a influência de uma corrente maioritária do PT. A criação da CTB com as características que nós defendemos - plural, democrática, de classe -, arrastou também outros sectores sindicais democráticos. Tem tido um grande sucesso.

    O Brasil insere-se num subcontinente onde crescem alternativas de cooperação às que são propostas pelo imperialismo, pesem as ameaças que pendem sobre os países e povos que assim decidem. Qual a opinião do PCdoB a respeito dessa integração?

A América Latina vive uma realidade nova e reveladora de uma tendência anti-imperialista crescente. Temos hoje no subcontinente governos eleitos nessa base, com pendor democrático, progressista e de defesa da soberania. Surge entre esses governos a tendência integracionista envolvendo países independentes. Frisei o «independentes» porque, pela primeira vez na história, os EUA estão arredados deste processo, não controlam o mecanismo de cooperação.

Recentemente fundámos a Unasul, cujo projecto político e económico é bastante ambicioso, fazendo frente à presença ostensiva norte-americana na América do Sul. Por proposta brasileira, procuramos também criar um conselho de defesa sul-americano, algo inédito e que rompe com a ideologia conservadora, de séculos, que defendia a conciliação de interesses com os EUA. Só ainda não foi implementado por recusa da Colômbia, que hoje funciona como «cabeça de ponte» dos norte-americanos no subcontinente.

Claro que o imperialismo reage, e um sintoma disso é a reactivação da IV Frota para cobrir o Atlântico Sul, o Pacífico e o Mar do Caribe. É uma forma de intimidar os povos e os governos. É um atentado à soberania e à paz na região.

Nos últimos meses muito se tem falado de crise alimentar e energética. O Brasil defende a aposta nos agrocombustíveis, mas o aumento do preço dos cereais não demonstra que são mais um problema do que uma solução para os povos do mundo?

A chamada crise alimentar decorre em parte do crescimento do consumo de alimentos na China, Índia e Brasil. Acresce, por outro lado, que não podemos subestimar o peso das especulações operadas pelo capital financeiro no aumento dos preços.

Repara, a crise começou por ter o epicentro na esfera financeira com descidas abruptas das taxas de rentabilidade. Ora, o capital financeiro voltou-se para activos reais apostando na especulação sobre futuros. A produção de biocombustíveis está no início e creio que o seu significado no crescimento dos preços é um fenómeno que tem de ser avaliado com cautela, tendo em conta realidades concretas.

No caso dos EUA, pode-se dizer que usando o milho para produzir etanol, existe uma relação directa, mas ampliar isso pode ser perigoso e até uma forma de impor uma determinada divisão do trabalho a nível internacional.

No Brasil, para além do facto de produzirmos etanol a partir da cana de açúcar, está em estado muito avançado a utilização da celulose. No caso do diesel, a ideia é substituir a soja pela mamona como matéria-prima.

Deixa-me ainda dizer que a questão está na distribuição da terra dedicada a cada cultura e na planificação das necessidades objectivas, quer alimentares, quer de energias alternativas aos combustíveis fósseis. Este ano vamos bater o recorde de produção de cereais e, não obstante, estamos a apostar nos agrocombustíveis sem que isso signifique quebras na produção de alimentos ou mudança da nossa orientação geopolítica.

Nos próximos meses, assumem particular importância as negociações no âmbito da OMC. O Brasil, tal como outros países, tem assumido uma posição de defesa da sua soberania. Como encaram este problema no quadro de uma crise do sistema capitalista?

Existe uma determinada divisão internacional do trabalho, e os países em vias de desenvolvimento pretendem mudar isso.

O Brasil fundou o G20 no quadro das negociações da OMC para forçar o estabelecimento de regras equitativas no comércio mundial. Não falemos de livre comércio que no quadro do capitalismo é uma falácia, uma ilusão.

Esse esforço de independência comercial, de diversificação das trocas é importante. Os EUA chegaram a aglutinar mais de 30 por cento das trocas comerciais com o Brasil. Hoje, mesmo sendo o maior parceiro, não vai além dos 18 por cento.

Reeditar o projecto imperialista da ALCA ou os seus derivados na OMC merecerá sempre a resistência do Brasil.

    Nessa resistência, do ponto de vista do papel dos comunistas, que importância atribuem aos Encontros de Partidos Comunistas e Operários?

Há a dimensão ideológica de estreitamento de cooperação, de fortalecimento dos partidos comunistas, de troca de experiências a vários níveis, inclusive organizativo. Entendemos que partidos com identidade e prestígio junto dos trabalhadores e do povo são hoje parte essencial da construção da alternativa.

Outro aspecto é político. No contexto da agressividade imperialista é necessário um movimento de resistência que vá além dos partidos revolucionários, que leve em conta as forças progressistas e democráticas, os amantes da paz. Fortalecer e ampliar este movimento é uma tarefa na qual os comunistas devem assumir um dinamismo e capacidade de orientação.

O próximo Encontro vai decorrer entre 21 a 23 de Novembro, em São Paulo. O PCdoB valoriza muito este fórum, onde, mesmo a par de divergências existentes, é possível conjugar esforços e avançar.

                                                 

In jornal "Avante!" - Edição de 17 de JuLho de 2008

                                                     

O Brasil está numa encruzilhada e terá de escolher o caminho

   No laboratório político que é a América Latina, com todas as suas contradições e complexidades, o Brasil está hoje numa encruzilhada e vai ter de decidir qual o caminho por onde quer seguir. Quem o afirma é Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP, que recentemente visitou aquele país. Os importantes progressos sociais registados no segundo mandato do governo Lula, em que participa o PCdoB, não iludem a questão de fundo com que se debatem as forças políticas progressistas brasileiras: sem pôr em causa o sistema capitalista não há solução para os problemas a que têm de fazer face.

Acabas de regressar de uma viagem ao Brasil a convite do Partido Comunista do Brasil (PCdoB); recebeste recentemente o Secretário-geral da Fretilin, Mário Alkatiri; foste à África do Sul e a Angola. A que se deve este intensificar da actividade internacional do Secretário-geral do PCP?
Esta actividade deve-se às relações bilaterais e multilaterais muito vastas do Partido Comunista Português no plano internacional. Pelo seu papel, pelas suas análises, pela sua acção o PCP é um partido respeitado e de referência para muitos partidos comunistas e também para outros partidos progressistas e forças de esquerda. Por outro lado, esta actividade visa permitir que o nosso Partido tenha conhecimento de realidades muito diversas, de processos de grande complexidade e diversidade de modo a fazer uma avaliação do mundo em que vivemos, da actual correlação de forças, de modo a validar aquela tese congressual de que ao mundo e aos povos se colocam hoje grandes perigos e ameaças, mas simultaneamente grandes potencialidades no desenvolvimento progressista do nosso planeta. É assim que, com esforço da nossa parte, procuramos corresponder aos convites e iniciativas em que somos solicitados a participar.
O programa da tua visita ao Brasil foi particularmente intenso. Que balanço fazes dessa iniciativa?
O balanço, ainda que provisório, pode sintetizar-se em três aspectos. Em primeiro lugar, esta foi uma visita que permitiu o aprofundamento das relações com o PCdoB; em segundo lugar, possibilitou um melhor conhecimento da realidade brasileira e de todo o processo que está em desenvolvimento; em terceiro lugar, deu-nos possibilidade de expor as posições do nosso Partido em relação a questões como o desenvolvimento do processo da União Europeia, o nosso ponto de vista sobre a problemática da alternativa política e a política alternativa, e a avaliação no sentido em que vai o mundo, designadamente a evolução na América Latina, que é hoje um grande laboratório.
Durante esta visita tivemos uma grande diversidade de contactos, quer a nível partidário quer institucional, incluindo a Presidência da República, a Câmara dos Deputados, o Senado, bem como com as forças que sustentam o governo de Lula. Tivemos também oportunidade de nos encontrarmos com Oscar Niemeyer. Valorizamos muito esse o encontro, muito fraterno, muito solidário, que nos impressionou pela capacidade desse homem, desse comunista, que com 100 anos de idade mantém uma visão internacionalista muito interessante, para além de uma grande admiração pelo PCP face ao seu papel e coesão.
A participação do PCdoB no governo, a exemplo do que sucede ou sucedeu com outros partidos comunistas noutros países, está longe de ser pacífica. Como é que um partido que advoga a liquidação do sistema capitalista pode participar num governo que, apesar de algumas preocupações sociais, contribui objectivamente para perpetuar e mesmo branquear esse sistema?
Creio que neste segundo mandato do governo de Lula tem havido evoluções que, sem retirar ou eliminar as contradições que colocas, necessitam de uma avaliação mais rigorosa. Obviamente que para o PCdoB, um partido que pela sua identidade, pela sua natureza, pelo seu próprio projecto de transformação social, não é fácil participar como força apoiante do governo de Lula, tanto no plano institucional como pela participação ministerial. Durante as conversações ao mais alto nível com o Secretário-geral e uma importante delegação do PCdoB, constatámos que o partido não abdica de uma intervenção no plano de massas e da luta de massas, de uma concepção revolucionária, simultaneamente com a sua participação institucional. Sentimos que não é fácil articular tudo isto, mas no entendimento da realidade brasileira em relação ao governo de Lula, particularmente neste segundo mandato, mais do que a avaliação do seu posicionamento ideológico há um elemento que pesa bastante, que é aquilo que ele representa em termos de valores, de justiça social. A este aspecto junta-se um outro elemento, que é uma concepção de defesa da soberania nacional, muito ligada à solidariedade com outros povos da América Latina.
É bom ter presente, por exemplo, que o Brasil é hoje o primeiro parceiro de Cuba, não numa vertente assistencialista mas através do envio de tecnologia muito avançada, da disponibilização de instrumentos virados para o desenvolvimento de Cuba, a par de uma exigência de não interferência dos EUA em relação à soberania brasileira.
Temos igualmente de ter presente que estamos a falar de um continente, em que o processo de combate à pobreza e à exclusão social, com um poderoso investimento público, visando integrar na sociedade centenas de milhares de brasileiros que viviam numa situação extrema de pobreza, tem um grande impacto.
Não é de subestimar também o aumento significativo do emprego e, ao mesmo tempo – os números foram avançados na altura em que lá estivemos – do crescimento económico em 5,8 por cento, o que já não sucedia há décadas.
     Sem subestimar de modo algum o impacto dessas medidas, quer no imediato quer em termos de futuro, continuo no entanto a questionar-me qual o seu real alcance em termos de evolução social quando em cima da mesa não está a questão do controlo dos meios de produção, a redistribuição da riqueza. Sabemos que o Brasil é um dos países do mundo com maiores desigualdades sociais. A pergunta é se essas medidas, por maior impacto que tenham, não são paliativos para a manutenção do sistema que é o gerador dessas mesmas desigualdades.
Para essa pergunta, de grande profundidade e complexidade, não há uma resposta rigorosa nem meramente conjuntural. Nós próprios fizemos notar essa contradição, durante as conversações que mantivemos. Quem detém os principais meios de produção? Quem determina a política económica do país?
Um outro elemento de grande complexidade tem a ver com o carácter heterogéneo, no plano ideológico, das forças que apoiam o próprio governo. Creio que neste momento se poderia dizer que o Brasil e o governo se aproximam de uma encruzilhada em que vão ter de optar pelo caminho a seguir.
Notámos, durante a visita, que existe um esforço muito grande por parte do governo brasileiro para incentivar a produção nacional e o aparelho produtivo nacional. Sem se livrar das pressões das multinacionais, que naturalmente existem, o governo está a fazer um esforço claro na valorização do capital brasileiro, do desenvolvimento do aparelho produtivo, o que obviamente não invalida a questão central que colocas: quem detém o poder económico?
Aliás, há um outro elemento que nos impressionou muito, que é o papel da comunicação social dominante no Brasil. Os grandes grupos económicos e algumas seitas religiosas mandam nos média; não há televisão, nem rádios, nem jornais públicos. Estão todos nas mãos do capital privado e manifestam no plano político, no plano ideológico, no plano social uma hostilidade tremenda em relação ao governo e às suas medidas. Não é um obstáculo pequeno, tendo em conta as próprias contradições da sociedade brasileira. As notícias estão centradas em dizer mal do governo e de Lula, em falar da corrupção, da violência e da criminalidade. O PCdoB quase não tem voz na comunicação social.
Por isso é de admirar muito que Lula, pelo que representa, insisto, tenha neste quadro o apoio da larga maioria do povo brasileiro.
Em síntese, há uma questão por resolver. Existe um capital de esperança, partindo daqueles níveis que referi: situações de desigualdades muito grandes, uma sociedade muito violenta em termos de criminalidade e de insegurança, um poder económico muito concentrado nas mãos dos poderosos nacionais e multinacionais. A questão está em saber qual vai ser o desfecho desta situação.
É interessante referir que o próprio Niemeyer, no nosso encontro, tenha sublinhado que Lula, neste segundo mandato, está a ter uma evolução no sentido do progresso, da democracia e da soberania, e de solidariedade com os países da América Latina que convém acompanhar.
Portanto, não tendo resposta para a questão, em termos de desfecho, sentimos, pelo que pudemos observar, é que há uma evolução progressista mas num processo que não se esgota até ao final do actual mandato presidencial.
Não é estranho que o governo Lula, estando no segundo mandato, não tenha ainda tomado medidas de fundo em diversos sectores, como a criação de um sector público da comunicação social, ou de ter concretizado o que foi uma das suas mais fortes promessas, a distribuição da terra? É a correlação de forças que não o permite? É a falta de um movimento político organizado que dê sustentação ao governo?
Muito do que se passa, as medidas ou a falta delas, terá certamente a ver com a correlação de forças. O PT, o partido de Lula, tem apenas 17 por cento dos votos; há uma dispersão muito grande do eleitorado, com a agravante de que isto se verifica num quadro de desvalorização do papel dos partidos políticos. Às eleições concorrem pessoas, personalidades, não listas fechadas apoiadas pelos partidos. Tirando o PT, e mesmo este com muitas tendências, a força mais aglutinada é o PCdoB, que procura neste mar de contradições uma afirmação partidária, uma convergência e coesão dos seus eleitos. Como se compreende, neste contexto torna-se ainda mais difícil levar a cabo as medidas de fundo que, num sentido progressista, seriam desejáveis. Nesse sentido, quando falo numa encruzilhada, é porque considero que o processo tem de ter uma evolução.
Há quem afirme que os partidos comunistas não têm uma doutrina para a fase de transição do sistema capitalista para o sistema socialista. Tomando como exemplo o que se passa no Brasil, achas que este é um problema que se coloca aos partidos comunistas?
Creio que a questão da transição, ou das etapas, é uma questão central que leva a uma grande discussão no seio do próprio PCdoB. Nas duas conferências que fiz com militantes do partido, em S. Paulo e no Rio de Janeiro, um dos aspectos mais relevantes foi justamente a questão da política alternativa e da alternativa política. Há uma grande vontade em saber como é que o PCP se posiciona em relação a este aspecto, que envolve naturalmente os aspectos da transição. Creio que o PCdoB está muito empenhado na procura de soluções. É um partido que luta pelo socialismo, que considera que são necessárias etapas onde os trabalhadores tenham um papel determinante. Por exemplo, os comunistas do PCdoB e outros democratas que estão no movimento sindical romperam com a CUT e formaram uma nova central sindical de classe, que está a crescer e tem já um peso significativo, demonstrando assim que não se ficam pelas «inevitabilidades», antes dando com esta decisão importantíssima uma prova da sua autonomia e do seu objectivo de transformação social.
     E muito provavelmente um destes dias estão a tomar posição contra medidas do governo em que se integram ministros do PCdoB...
Pode ser. O PCdoB não tem uma posição acrítica em relação às medidas que o governo de Lula toma. Está naturalmente numa posição de grande responsabilidade e de grande honestidade no governo, percebendo que é importante que este processo de democratização e de evolução social positiva, de afirmação da soberania, não só se mantenha como se aprofunde. Nesse sentido, há uma relação do PCdoB com o PT de grande seriedade mas sem perda da sua autonomia.
E não corre o risco de ficar refém do facto de estar no governo?
Nos encontros que tivemos, e designadamente nas conversações ao mais alto nível, os camaradas do PCdoB manifestaram uma clara vontade de preservar a sua autonomia, ao mesmo tempo que se empenham seriamente para que a evolução dos elementos positivos se aprofunde, ao contrário do PCB (Partido Comunista Brasileiro), com quem também nos encontrámos. Considera o PCB que não há espaço para períodos de transição, para os «etapismos», como dizem, e que estão a amadurecer as condições para a revolução socialista no Brasil, o que contraria a visão dialéctica que temos da transformação social para o nosso País e das etapas para uma democracia avançada.
A situação política existente no Brasil, à semelhança do que sucede noutros países da América Latina, como os casos da Venezuela, Equador, Bolívia, coloca novos desafios aos partidos comunistas. Como achas que vai ser a evolução política na região?
Eu diria que a América Latina é actualmente um gigantesco laboratório de experiências e evoluções sociais, políticas e ideológicas, que neste momento não têm ainda uma orientação definida. Sem dúvida que é de progresso; não é por acaso que assistimos à crescente preocupação do imperialismo com o que se passa na região. Não é de somenos para os EUA que o Brasil seja hoje um parceiro fraterno de Cuba...
...Mas entretanto os EUA entendem-se com o Brasil por causa da questão do etanol...
Sim, mas de qualquer forma é marcante o relacionamento com Cuba, bem como a existência de alguma articulação com outros países, como os que referiste, para encontrar resposta para as políticas económicas e até de articulação noutras áreas. Depois, coloca-se a questão de saber até onde se aprofundam as medidas de justiça social e de progresso nesses mesmos países. Por exemplo, no Brasil, durante a nossa estadia, foi afirmado que vão avançar com a lei fixando a jornada de trabalho, o que constitui um avanço histórico. Outro aspecto significativo é a paralisação do processo de privatizações. Convém também avaliar o posicionamento dos partidos da social-democracia, relativamente ao que sucede na Europa.
Em que sentido?
Em termos de uma visão de justiça social, por exemplo. Estamos a lidar aqui com uma social-democracia que se tem demarcado do neoliberalismo, ao contrário do que sucedeu na Europa.
A sensação que se tem, quando se olha para qualquer destes processos, é que estão todos ainda muito dependentes de personalidades. Onde estão as forças políticas que é suposto serem o suporte das transformações sociais?
Em relação a isso, bem poderemos reafirmar o que foi tese do nosso XVII Congresso: tendo em conta a evolução do mundo e a sua crescente complexidade, os partidos comunistas são mais necessários do que nunca. Independentemente da avaliação que possamos fazer da actuação própria do indivíduo, do democrata mais ou menos progressista, mais ou menos revolucionário, mesmo na situação da América Latina, que com todas as suas contradições precisa de uma avaliação mais cuidada e rigorosa, o sentimento que temos é que são indispensáveis fortes partidos comunistas para fazer face aos desafios que se colocam.   

                                

In jornal "Avante!" - Edição de 26 de Junho de 2008

                                        

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