Comboio de camiões militares transporta mortos de Bérgamo para o cemitérios de Ferrara
Fotografia de Massimo Paolone
Em Itália, o epicentro da epidemia foi a região industrial da Lombardia. Mas como conta a jornalista Alba Sidera numa revista espanhola (ctxt.es, 10/4/2020), «por incrível que pareça, a zona [Val Seriana, em Bergamo] com mais mortos de coronavírus por habitante em Itália – e na Europa – nunca foi decretada zona vermelha» devido às pressões dos grandes industriais da região.
«Quem tem interesse em manter as fábricas abertas são, em alguns casos, os mesmos com interesses nas clínicas privadas».
Foi apenas sob a ameaça duma greve geral, perante as trágicas dimensões da epidemia, que foi decretado o encerramento das actividades não essenciais. Mesmo assim, a lista inicial de actividades essenciais incluía «a indústria armamentista e de munições» e os call-centers publicitários.
Quais as vantagens que os patrões retiram desta forma de relação de trabalho para mostrarem um tão grande empenhamento na sua utilização?
A relação de trabalho é de poder-sujeição. As partes não se encontram em posição de igualdade. O trabalhador tem um interesse maior na relação porque dela depende a sua estabilidade financeira e familiar e isso coloca-o em posição de fragilidade que aumenta em períodos de grande desemprego, como o que estamos a viver. Ou melhor, na relação de trabalho o trabalhador está sempre numa posição mais frágil e essa fragilidade aumenta com a precariedade do vínculo laboral. O trabalhador perde autonomia e passa a autolimitar-se no exercício dos seus direitos laborais sejam eles individuais ou coletivos, pessoais ou sindicais. Procura manter-se longe dos sindicatos e de reivindicar melhores salários e melhores condições de trabalho e de vida com receio das consequências.
Ao invés, a precariedade reforça a posição patronal que, assim, vê transferido para o seu lado todo, ou quase todo, o poder na relação trabalho. O domínio torna-se avassalador, ganha o poder de punir sem ter de fundamentar e de despedir sem justificar o despedimento.
Resumindo: a precariedade – enquanto modelo – não é apenas um meio de flexibilizar as relações de trabalho, é uma resposta para reforçar o poder patronal, e, ao mesmo tempo, de por «no terreno» as condições de que a direita neoliberal necessita para aplicar o seu modelo ideológico, baseado nos baixos salários conseguidos à custa de trabalho servil.
(...)
O que fica dito permite-nos confirmar que os governos da política de direita e o patronato optaram, no essencial, por manter na lei o princípio de que o contrato norma é o contrato por tempo indeterminado, desvirtuando-o na prática do dia a dia, contando, para o efeito, com a passividade e/ou a complacência da ACT, com o fragilidade da posição contratual dos trabalhadores para reclamarem os seus direitos e com uma justiça formalista, que não consegue (para ser benévolo) descortinar no emaranhado da forma as fraudes à lei.
Daí que a esmagadora maioria dos contratos a termo, apesar de serem ilegais continuem a funcionar como se o fossem.
«No início desta semana, uma delegação da União dos Sindicatos de Lisboa (USL) e vários sindicatos entregaram ao primeiro-ministro um dossier com exemplos de situações de precariedade existentes no distrito de Lisboa, assim como uma carta aberta ao primeiro-ministro.
As estruturas sindicais procuram colocar no Governo a responsabilidade de dar o exemplo para as empresas do sector privado, «enterrando» a legislação com os constrangimentos de admissão de trabalhadores e promovendo a admissão dos trabalhadores necessários nos organismos e empresas que tutela.
Consideram que é igualmente necessário dotar as entidades respectivas de meios e orientação de actuação firme perante as situações de recurso ilegal de precariedade laboral.»
«Desemprego continua em queda para níveis pré-troika, apesar de ainda existirem mais de um milhão de trabalhadores em situações de desemprego, subemprego ou desencorajados.
Há 381 mil desempregados que não estavam inscritos nos centros de emprego em Setembro»
Foi para isso que serviram as sucessivas revisões para pior ao Código de Trabalho de iniciativa dos governos do PSD, CDS e PS, com o objectivo de eternizar um modelo económico assente em baixos salários e redução de direitos, com a generalização do recurso ilegal à precariedade, com as medidas de embaratecimento e facilitação dos despedimentos e que nesta nova fase, e com a derrota do Governo do PSD/CDS, se pode e deve inverter, porque não podemos aceitar como uma fatalidade as dramáticas condições de existência em que vivem milhares e milhares de seres humanos.
Não podemos dar como adquirido, como se fosse uma inevitabilidade, continuar a viver com altos níveis de precariedade, desemprego e baixos salários e altos níveis de pobreza entre quem trabalha.
Não podemos aceitar que mais de um milhão e duzentos mil trabalhadores estejam condenados a trabalhar em regime de precariedade, trabalhando em part-time, com falsos recibos verdes, com contrato a prazo ou outras formas de trabalho precário sempre mal remunerados e com horários de trabalho desregulados que assumem as mais diversas formas como a da “adaptabilidade horária”, o “banco de horas” ou a fórmula de “horários concentrados” que mais não visam que aumentar o horário, através de trabalho não remunerado.
Em Portugal existem pessoas, e não são poucas, que sobrevivem há anos neste mar de precariedade, realizando tarefas que respondem a necessidades permanentes das empresas e serviços.
São milhares e milhares de homens, mulheres e jovens que, mesmo trabalhando 8 horas por dia e durante todo o mês, recebem um salário que não lhes permite sair do limiar da pobreza.
Não podemos aceitar que o discurso mistificador da responsabilidade dos custos do trabalho pelas dificuldades competitivas da economia portuguesa continue a justificar uma tão feroz exploração que está a colocar Portugal no pódio dos Países com as piores condições para trabalhar – um dos países com mais insegurança no trabalho e com uma crescente e acelerada degradação das remunerações de trabalho.
«A precariedade no trabalho é inaceitável, desrespeita o direito ao trabalho e à segurança no emprego, é um factor de instabilidade e injustiça social, que compromete de forma decisiva o desenvolvimento e o perfil produtivo do país. A precariedade não é uma inevitabilidade e o emprego com direitos representa simultaneamente uma condição e factor de progresso e justiça social.»
«Com este agendamento do PCP, temos hoje oportunidade de dar um passo firme e de discutir medidas concretas de combate à precariedade.
Trazemos hoje à discussão uma proposta para impedir o recurso a estágios e a contratos emprego-inserção, quando se trata de responder a necessidades permanentes dos serviços públicos, empresas e outras entidades.
Aliás, não é possível falar da importância de serviços públicos de qualidade sem referir trabalhadores valorizados e em número suficiente.
Os últimos dados disponíveis sobre esta matéria, referentes a 2015, apontam para a existência de cerca de 68 000 contratos emprego-inserção e mais de 73 000 estágios profissionais.»
«Combate a precariedade, impedindo o recurso a medidas públicas ativas de emprego, para responder a necessidades permanentes dos serviços públicos, empresas e outras entidades»
A concentração da riqueza mundial assim como o seu agravamento foram confirmados num relatório divulgado dia 7 pelo Boston Consulting Group (BCG).
Segundo o texto, um por cento da população possui 47 por cento da riqueza acumulada em rendimentos, depósitos e títulos.
Os EUA são os campeões dos multimilionários, seguidos pela China; proporcionalmente ao número de habitantes o Liechtenstein e a Suíça surgem à cabeça.
Ainda assim, é na América do Norte que o BCG identifica o mais profundo fosso na desigualdade e concentração da riqueza, com os milionários norte-americanos a deterem 63 por cento do total do valor estimado das fortunas privadas.
Quanto à progressão da riqueza concentrada, o relatório do gabinete financeiro indica que em 2015 ela cresceu 5,2 por cento contra os cerca de sete por cento em 2014.
Nos paraísos fiscais o aumento foi de três por cento e o BCG considera que, apesar dos escândalos e denúncias envolvendo territórios de fraca fiscalidade e forte sigilo quanto à propriedade e proveniência do capital, aqueles deverão continuar a ser um dos destinos preferidos para salvaguardar colossais fortunas.
«A banca ocupa um lugar central na concessão de crédito que é vital para o funcionamento de qualquer economia ou sociedade.
No entanto, quando se fala de crédito pensa-se que ele se reduz ao crédito bancário, mas isso não corresponde à verdade.
Por isso, vamos analisar, utilizando dados recentes do Banco de Portugal, o grau de endividamento do país e qual a parte que foi financiada pela chamada banca residente, ou seja, aquela que opera no nosso país e tem aqui instalações permanentes.
E isto porque assim ficará mais claro quer a importância da banca residente na concessão de crédito quer os seus limites e, consequentemente, também os efeitos do controlo público da banca.»
PRINCIPAIS CONCLUSÕES DESTE ESTUDO
«Em Jan.2016, a divida do Setor não Financeiro (não incluía a da banca) atingia 700.253 milhões €, mas apenas 43,6% era financiada pela banca.
Em Dez.2015, do total de crédito concedido pela banca às empresas privadas, 23,2% era ainda à “construção e imobiliário”, e apenas 15,3% à “Industria Transformadora e extrativa”. A gestão capitalista da banca tem sempre preferido a promoção da especulação em prejuízo das empresas de bens transacionáveis e da industrialização do país.
Entre 2008 e Jun.2014 a banca constituiu 35.521 milhões € de “imparidades”, que somadas às que já tinha acumulado até ao início de 2008, dá 42.285 milhões €, que é o valor destruído pela banca resultante de crédito concedido que depois não consegue receber. Quantos hospitais, quantas escolas, etc., se poderiam construir com este valor destruído? É este um ex. da gestão capitalista da banca paga depois pelos contribuintes.
O controlo público da banca é uma necessidade, por um lado, para pôr cobro a esta destruição maciça de valor e, por outro lado, para pôr a banca ao serviço do desenvolvimento do país, deixando de ser um instrumento de promoção da especulação, e também para reduzir o domínio estrangeiro neste setor.
Para que tal exigência tenha credibilidade perante a opinião pública é necessário que o governo PS e os partidos que o apoiam ponham fim à gestão capitalista que tem dominado o único banco do Estado, a CGD que tem uma quota 22% do mercado. Enquanto isso não for feito a exigência do controlo público da banca nunca conseguirá obter, a nosso ver, grande apoio da opinião pública, pois a transferência da banca para o controlo do Estado, mantendo o tipo de gestão que tem existido na CGD, pouco contribuirá para o desenvolvimento do país.
O ministro da Saúde criou uma comissão para “reformar o modelo de ADSE” (Despacho 3177-A/2016), excluindo os representantes dos trabalhadores da Função Pública e aposentados, que são os únicos financiadores atuais da ADSE, o que é inaceitável e urge alterar. E isto porque esta comissão é constituída por “especialistas” muitas deles defensores do setor privado de saúde, e as suas conclusões (a apresentar até 30 de Junho de 2016), à partida viciadas pela exclusão de representantes dos trabalhadores e aposentados, procurarão condicionar o futuro da ADSE. A ADSE já financia o setor privado da saúde com mais de 400 milhões € por ano e a “reforma do seu modelo”, que poderá determinar o seu alargamento e transformação numa espécie de um amplo seguro de saúde privado no seio do setor público, causando o aumento da concorrência com o SNS que poderá levar a uma maior degradação e definhamento deste e à degradação e desvirtuação da ADSE, o que deve ser evitada a todo o custo.»
Quase 30 por cento das empresas privadas em Portugal têm créditos vencidos por saldar, refere o Banco de Portugal no seu Boletim Estatístico, publicado dia 23.
A banca concedeu 81,3 mil milhões de euros de financiamento a empresas privadas, dos quais 16,2 por cento estão em situação de incumprimento, enquanto a percentagem de devedores se eleva a 29,4 por cento.
As empresas públicas fecharam o ano com 2,2 mil milhões de euros de financiamento bancário, dos quais apenas 1,2 por cento correspondeu a crédito vencido, situando-se a percentagem de devedores nos 4,8 por cento.
O Sector dos Transportes editou em Agosto de 2014 um Dossier sobre «A verdade sobre a dívida das Empresas Públicas de Transporte - Origem, responsabilidades e os interesses que a mesma serve».
Um trabalho destinado a rebater as mistificações que o Governo e o Grande Capital alimentam sobre esta matéria, e onde se demonstra, em 36 páginas A5, que os sucessivos Governos esconderam nas empresas públicas milhares de milhões de euros de dívida pública, subfinanciaram as empresas públicas enquanto sobrefinanciavam as privadas, e criaram um magnifíco negócio para a banca que suga milhares de milhões em especulação e juros usurários.
«Como em todas as PPP, a subconcessão da Carris só trará benefícios directos a uma entidade, ao privado que ganhar o concurso. Esse benefício será alcançado, como sempre em todas as PPP, à custa dos trabalhadores, dos utentes e do Orçamento de Estado. O resto, as eficiências, as poupanças, as modernidades, é simplesmente propaganda neoliberal.»
«O pacote de negócios que o Governo está a lançar na fase terminal do seu mandato chegou agora aos processos de privatização da EMEF (Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário, S.A) e da CP Carga. Com os respetivos diplomas publicados há dias, essa operação representa uma nova e mais gravosa etapa do processo de liquidação do sector ferroviário nacional.»
«O secretário de Estado dos Transportes já conhece os motivos por que a Fectrans considera que a reestruturação na Carris, no Metro, na Transtejo e na Soflusa prejudica o interesse público, é ilegal e contém mesmo um esquema de tipo mafioso.»
«Está em curso um violento processo de reestruturação das quatro empresas. Um processo conduzido de forma ilegal e prepotente, e com dois objectivos estratégicos: criar o máximo de oportunidades de negócio para o grande capital; atacar a contratação colectiva para conseguir a redução do preço da força de trabalho.»
«Ainda como introdução, recordamos que o Metro do Porto está subconcessionado à Prometro do Grupo Barraqueiro, sendo a Metro do Porto uma empresa pública, que recebe as receitas de bilheteira, paga à subconcessionária privada e paga todo o investimento. Os mesmos moldes que querem extender para os STCP, a Carris e o Metro de Lisboa.»
«Arménio Carlos recordou, por exemplo, que há alguns anos a TAP comprou por 140 milhões de euros a Portugália, que tinha 16 aviões, e o Governo quer agora vender por 10 milhões a TAP, que tem 76 aviões e continua a ser a maior exportadora nacional. Assinalou ainda que o Executivo recusa assumir a capitalização da TAP, mas já aceitou financiar a Metro do Porto e a sua gestão privada em 500 milhões de euros, nos próximos dez anos; por outro lado, tem recusado pagar indemnizações compensatórias em valores adequados à STCP, à Carris e ao Metropolitano de Lisboa, mas está disposto a financiar a gestão privada destas empresas com 150 milhões de euros por ano, valor a que acresce parte das receitas.»
«Prosseguindo a sua ofensiva contra os interesses nacionais, e perante a anunciada derrota eleitoral, o Governo PSD/CDS procura impor uma política de factos consumados, anunciando hoje a escolha do consórcio Avanza (capital espanhol) como o vencedor do concurso de subconcessão da exploração comercial do Metropolitano de Lisboa e dos Autocarros da Carris, dando assim mais um passo no criminoso processo de desmantelamento daquilo que resta do sector empresarial do Estado e de entrega ao grande capital, sobretudo estrangeiro, de empresas e operações estratégicas para os interesses nacionais.»
A Constituição aponta como tarefas fundamentais no plano económico para a «Coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção» e para a «Propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse coletivo».
Mais uma vez, se confirma que o Governo se encontra envolvido num processo de destruição efetiva do sector público.