«Está de acordo em que, nas eleições gerais de Novembro de 2009, seja instalada uma quarta urna para decidir sobre a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte destinada a elaborar uma nova Constituição política?»
Foi esta tentativa de consulta popular a 28 de Junho – sem força de lei sublinhe-se – apoiada pelas assinaturas de mais de quatrocentos mil cidadãos, que serviu de pretexto ao golpe de estado militar nas Honduras.
A partir daqui a actuação da comunicação social dominante ficará nos anais da história como o exemplo de mais uma página vergonhosa (a par da BBC em 1965 na Indonésia, da TV pública francesa em Timissoara na Roménia, ou da maioria da comunicação social australiana aquando da invasão de Timor Leste em 1975, para só citar estes).
Uma consulta sem força de lei foi transformada em referendo. O facto de, eventualmente, se realizar um refendo em Novembro para a formação de uma Assembleia Constituinte, foi metamorfoseado em pretensão de segundo mandato presidencial. Escamoteando que o refendo decorreria em simultâneo com a eleição presidencial, o que impossibilitava tal facto.
Mas o mote estava lançado, com CNN e BBC a difundirem para todo o mundo que o golpe era legal porque o referendo (que era consulta) era ilegal. Assunto encerrado e quanto menos se falar dele melhor. O bloqueio informativo, na feliz expressão do Presidente da Nicarágua Daniel Ortega, estava montado.
Um presidente violentamente sequestrado durante a madrugada por militares encapuzados, seguindo à letra as normas do Manual de Operações da CIA e da Escola das Américas para os esquadrões da morte. Agressões a embaixadores de estados soberanos. Uma carta de renúncia apócrifa divulgada a fim de enganar e desmobilizar a população (e que foi de imediato retransmitida para todo o mundo pela CNN sem confirmar previamente a veracidade da notícia). A reacção do povo que sai às ruas para deter os tanques e os veículos do Exército e exigir o retorno de Manuel Zelaya à presidência. O corte da energia eléctrica para impedir o funcionamento da rádio e da televisão e semear a confusão e o desânimo. A instalação pelos golpistas de um novo presidente: Roberto Micheletti.
A estes factos chamou a CNN uma «sucessão forçada»…
Multidões nas ruas. Brutal repressão. Condenação unânime do golpe na Assembleia-geral da ONU e na reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA). Silenciamento dos jornais, rádios e televisões. Tentativa de regresso às Honduras do presidente eleito acompanhado pelo Presidente da Assembleia-geral da ONU. Marcha pacífica de apoio. Repressão, prisões, mortos.
Sobre tudo isto em Portugal, a comunicação social em geral e os jornais em particular, passaram como gato sobre brasas. Umas linhitas. Algumas fotografias (poucas). Nada de grandes títulos. Houve mesmo uma rádio nacional que em que o povo nas ruas foi reduzido a «alguns populares», a carga da tropa sobre cidadãos desarmados que provocou mortos apelidada de «confronto», os militares golpistas promovidos a «forças da ordem».
Quanto aos comentadores e analistas de serviço, quase que não produziram comentários ou análises.
Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação
(sublinhados acrescentados em 2 de Março de 2010)
In jornal "Público" - Edição de 10 de Julho de 2009
É esta realidade que Tomás Vasques (e não só) esquece, ou ignora, ou sobre a qual tem «uma posição estranha».
Nas Honduras, o país onde o seu legítimo presidente está há mais de dois meses confinado às instalações da embaixada do Brasil; onde os golpistas rasgam acordos com a conivência da chamada «comunidade internacional»; onde se perseguem e matam aqueles que prosseguem a luta pela liberdade e a democracia; onde manifestações populares são reprimidas violentamente, aconteceu algo a que alguns se atreveram a chamar «eleições». Uma farsa em tudo similar a outras já por nós referidas noutros artigos do Avante! e que invariavelmente têm sempre o mesmo objectivo: tentar legitimar um crime, branquear os criminosos e dominar um povo, seja nas Honduras, seja no Afeganistão.
Se dúvidas houvesse sobre o que está em causa nas Honduras agora tudo está muito claro. As negociações e acordos – desde São José até ao recente «acordo» de Tegucigalpa rasgado pela clique de Michelleti – não passaram de manobras de diversão de uma estratégia conjunta dos golpistas e do imperialismo para ganhar tempo, tentar «anestesiar» a resistência popular ao golpe de Estado e «legitimá-lo».
«Las elecciones se están realizando de manera normal y tranquila, afirmó el embajador de Estados Unidos en Honduras Hugo Llorens luego de visitar varios centros de votación ubicados en esta capital.»
- Nas Honduras, as eleições mais que uma festa são um velório. Porque nas urnas eleitorais, os golpistas, não depositam os votos mas enterram a democracia.
Hugo Llorens Acosta (1954 - ) is a US diplomat, and the current (since September 2008) United States Ambassador to Honduras. Posted to a variety of countries in his thirty-year career, in 2002-3 he was the principal advisor to the President and National Security Advisor on issues pertaining to Colombia, Venezuela, Bolivia, Peru, and Ecuador.