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O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

Crónicas do País da fome, do medo e da ignorância

Retalhos da vida de um médico

 

Em Retalhos da Vida de Um Médico, percorremos os itinerários do país salazarento, interior, doente, matreiro e desconfiado, país das homílias da conformação, das leiras da fome, das casas celtiberas, da insalubridade quase medieval, da rudeza elementar e da transcendência. O jovem médico, acantonado em Monsanto, nessa que foi, no desvario folclórico do fascismo, a aldeia mais portuguesa de Portugal, percorre veredas, socalcos, caminhos abertos nas faldas da serra por onde as mulas, os burros e os carros de bois se esgueiram entre ventos e chuva, para socorrer os pacientes que o procuram quase sempre em situação extrema, quando desenganados de charlatães, bruxedos e mezinheiros, muitas vezes para apenas confirmar o óbito. Um povo triste e desamado.

(...)

Retalhos da Vida de Um Médico é um exemplo do texto clássico do neo-realismo e uma das obras fundamentais da literatura portuguesa do século XX. Um documento raro, sensível e lúcido sobre a realidade profunda do Portugal fascista; país de silêncios, de medos e de revoltas crescendo no meio dos trigais que Namora, sem contemplações, põe a nu – país de ocultas misérias denunciado pela pena de um autor que nestes textos se revela indignado com o sofrimento dos seus concidadãos, e é esse modo de dizer a revolta, de a tornar humana e lídima, que torna estes textos actuais e de uma indefectível universalidade.

AQUI

 

Urbano Tavares Rodrigues: O intelectual, o homem o comunista

Urbano Tavares Rodrigues

No passado sábado, dia 6 de Dezembro, a Direcção da Organização Regional de Lisboa do PCP realizou no auditório da Biblioteca Nacional uma homenagem a Urbano Tavares Rodrigues. No dia em que completaria 91 anos de idade, familiares, escritores e sobretudo muitos camaradas e amigos ouviram durante cerca de quatro horas testemunhos sobre a obra do escritor, sobre a sua forma de estar na vida, sobre a sua luta em defesa da liberdade, sobre a sua militância no PCP.

Intelectual, autor de uma vasta obra literária que abarcou todos os domínios da escrita – romance, novela, conto, teatro, poesia, crónica, ensaio, jornalismo e viagens –, Urbano Tavares Rodrigues é uma das referências mais intensas da literatura portuguesa dos séculos XX e XXI e deixa-nos um legado inestimável para futuras gerações de escritores. Urbano Tavares Rodrigues possuía um conjunto de qualidades humanas que raramente observamos concentradas numa mesma pessoa, cujos valores sempre nortearam a sua vida – a liberdade, a justiça social, a paz, a solidariedade, a fraternidade –, qualidades que estiveram sempre presentes na sua obra e na sua intervenção social e política, que fizeram dele um resistente e um combatente pela liberdade e por uma sociedade mais justa.

Membro do PCP desde muito cedo, desde logo desenvolveu uma intensa actividade política que se prolongou ao longo de toda a sua vida. Apesar de preso três vezes pela PIDE, impedido de leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa e noutros estabelecimentos de ensino e de ter sido o escritor português com mais livros apreendidos pela PIDE, Urbano Tavares Rodrigues – como escreveu José Casanova no Avante! do dia 13 de Agosto de 2013 – «nem perseguições, nem ameaças, nem prisões, nem torturas, o fizeram abrandar, sequer, a sua prática de resistência».

Ler texto integral

 

Urbano Augusto Tavares Rodrigues (6 de Dezembro de 1923 / 9 de Agosto de 2013)

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O Secretariado do Comité Central do Partido Comunista Português manifesta o seu profundo pesar pelo falecimento de Urbano Tavares Rodrigues, intelectual comunista destacado e figura cimeira da cultura portuguesa.

Autor de uma vasta obra literária, abarcando todos os domínios da escrita – romance, novela, conto, teatro, poesia, crónica, ensaio, jornalismo, viagens – e na qual estão presentes os valores humanos que nortearam toda a sua vida – a liberdade, a justiça social, a paz, a solidariedade, a fraternidade – Urbano Tavares Rodrigues fica na história da Literatura portuguesa como um dos seus mais relevantes expoentes.

Urbano Tavares Rodrigues desenvolveu uma igualmente intensa actividade política, iniciada muito cedo e muito cedo com ligação ao PCP, e que se prolongou ao longo de toda a sua vida.

Em 1949 participou na campanha eleitoral do General Norton de Matos, após o que foi para França onde foi leitor de Português em Montpellier e na Sorbonne, em Paris.

Em 1955 regressa a Portugal e entra na Faculdade de Letras de Lisboa, como assistente, vindo a ser afastado pouco depois, por motivos políticos. Durante alguns anos é impedido de ensinar, mesmo fora da Universidade.

Em Dezembro de 1962, participa em Cuba, num encontro de escritores solidários com a revolução cubana.

Em 1963, enquanto membro das Juntas de Acção Patriótica, preside à delegação portuguesa presente no congresso em defesa da liberdade da cultura, realizado pela Comunidade Europeia de Escritores, em Florença.

Ainda nesse ano de 1963, é preso, acusado de pertencer ao Partido Comunista Português e às Juntas de Acção Patriótica. Trata-se da primeira das três prisões que virá a sofrer, em todas elas submetido às brutais torturas da PIDE.

Em 1966, participa num congresso organizado pela Comunidade Europeia de Escritores, no decorrer do qual denunciou a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores e a situação de Luandino Vieira, preso no Tarrafal.

Durante a década de sessenta, Urbano participou activamente em acções do Conselho Mundial da Paz e do Conselho Português para a Paz e a Cooperação – então ainda semi-clandestino em Portugal.

Em 1971 participou na importante Conferência de Bruxelas, preparatória da Conferência de Helsínquia sobre a Paz e o Desarmamento.

Activista destacado do Movimento da Oposição Democrática, Urbano participou em várias campanhas «eleitorais» e foi membro da Comissão Nacional do III Congresso da Oposição Democrática, em 1973.

Após o 25 de Abril, teve uma intervenção activa no processo revolucionário e na luta em defesa das conquistas da Revolução. Integrou o Sector Intelectual da Organização Regional de Lisboa do PCP e foi candidato a deputado pelo círculo da emigração.

O PCP presta homenagem a Urbano Tavares Rodrigues e endereça à sua família e amigos o seu sentido pesar, manifestando-lhes fraternal solidariedade.

O Secretariado do Comité Central informa que o corpo de Urbano Tavares Rodrigues se encontra em câmara ardente, a partir das 19h00 de hoje, na Sociedade Portuguesa de Autores (Av. Duque de Loulé nº 31, em Lisboa), estando o seu funeral previsto para o Cemitério do Alto de S. João para o fim da tarde de amanhã (sábado, dia 10).

(sublinhados meus)

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António Alves Redol (29 de Dezembro de 1911 / 29 de Novembro de 1969)

Um escritor comprometido com o povo e a sua cultura

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(...)

Como escritor, Alves Redol ficará na história, em primeiro lugar, como o autor do primeiro romance do neo-realismo português – Gaibéus – e, depois, por uma vasta e diversificada obra literária: romances, contos, teatro, histórias infantis, ensaios, que marcaram impressivamente a nossa literatura e fazem dele um nome maior da história da cultura portuguesa.

Com Gaibéus, Fanga, Avieiros, Vindimas de Sangue, Uma Fenda na Muralha, A Barca dos Sete Lemes, Barranco de Cegos, entre outras obras, Redol trouxe para a literatura os problemas dos trabalhadores, os seus anseios, as suas aspirações, as suas lutas. Nos seus romances, nos seus contos, nas suas peças de teatro, ele toma partido: com o seu talento, com a sua inteligência, com a sua sensibilidade, toma inequivocamente o partido dos explorados, dos oprimidos, dos humilhados e ofendidos, contra os exploradores e os opressores. E sabemos as implicações decorrentes de tal opção naquele tempo de ausência total de liberdade.

Não foi por acaso que Alves Redol conheceu por duas vezes a brutalidade da PIDE – como não foi obra do acaso o facto de ele ter sido o único escritor português obrigado a submeter os seus romances à censura prévia dos esbirros fascistas.

(...)

-

Para Ouvir e Ver:

-

Eu proponho isto, a ver: que como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis!

(...)

E então o Gouvarinho, que acendera o charuto, espreitara outra vez o relógio, perguntou se os amigos tinham ouvido alguma coisa do Ministério e da crise.

Foi uma surpresa para ambos, que não tinham lido os jornais... Mas, exclamou logo o Ega, crise porquê, assim em pleno remanso, com as câmaras fechadas, tudo contente, um tão lindo tempo de Outono?

O Gouvarinho encolheu os ombros com reserva. Houvera na véspera, à noitinha, uma reunião de ministros; nessa manhã o presidente do Conselho fora ao Paço, fardado, determinado a «largar o Poder»... Não sabia mais. Não conferenciara com os seus amigos, nem mesmo fora ao seu Centro. Como noutras ocasiões de crise, conservara-se retirado, calado, esperando... Ali estivera toda a manhã, com o seu charuto, e a Revista dos Dois Mundos.

Isto parecia a Carlos uma abstenção pouco patriótica.

— Porque enfim, Gouvarinho, se os seus amigos subirem...

— Exactamente por isso — acudiu o conde com uma cor viva na face — não desejo pôr-me em evidência... Tenho o meu orgulho, talvez motivos para o ter... Se a minha experiência, a minha palavra, o meu nome são necessários, os meus correligionários sabem onde eu estou, venham pedir-mos...

Calou-se, trincando nervosamente o charuto. E Steinbroken, perante estas coisas políticas, começou logo a retrair-se para o fundo da janela, limpando os vidros da luneta, recolhido, já impenetrável, no grande recato neutral que competia à Finlândia. Ega no entanto não saía do seu espanto. Mas porque caía, porque caía assim um governo com maioria nas câmaras, sossego no país, o apoio do exército, a bênção da Igreja, a protecção do Comptoir d’Escompte?

O Gouvarinho correu devagar os dedos pela pêra, e murmurou esta razão:

— O Ministério estava gasto.
— Como uma vela de sebo? — exclamou Ega, rindo.

O conde hesitou. Como uma vela de sebo não diria... Sebo subentendia obtusidade... Ora neste Ministério sobrava o talento. Incontestavelmente havia lá talentos pujantes...

-Ora neste Ministério sobrava o talento. Incontestavelmente havia lá talentos pujantes...

-

— Essa é outra! gritou Ega atirando os braços ao ar. — É extraordinário! Neste abençoado país todos os políticos têm imenso talento. A oposição confessa sempre que os ministros, que ela cobre de injúrias, têm, à parte os disparates que fazem, um talento de primeira ordem! Por outro lado a maioria admite que a oposição, a quem ela constantemente recrimina pelos disparates que fez, está cheia de robustíssimos talentos! De resto todo o mundo concorda que o país é uma choldra. E resulta portanto este facto supracómico: um país governado com imenso talento, que é de todos na Europa, segundo o consenso unânime, o mais estupidamente governado! Eu proponho isto, a ver: que, como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis!

O conde sorria com bonomia e superioridade a estes exageros de fantasista. E Carlos, ansioso por ser amável, atalhou, acendendo o charuto no dele:

— Que pasta preferia você, Gouvarinho, se os seus amigos subissem? A dos Estrangeiros, está claro...

-

Que pasta preferia você (...)? A dos Estrangeiros, está claro...
-
O conde fez um largo gesto de abnegação. Era pouco natural que os seus  amigos necessitassem da sua experiência política. Ele tornara-se sobretudo num homem de estudo e de teoria. Além disso não sabia bem se as ocupações da sua casa, a sua saúde, os seus hábitos lhe permitiriam tomar o fardo do governo. Em todo o caso, decerto a pasta dos Estrangeiros não o tentava...
— Essa nunca! — prosseguiu ele, muito compenetrado. — Para se poder falar de alto na Europa, como ministro dos Estrangeiros, é necessário ter por trás um exército de duzentos mil homens e uma esquadra com torpedos. Nós, infelizmente, somos fracos... E eu, para papéis subalternos, para que venha um Bismarck, um Gladstone, dizer-me «há-de ser assim», não estou!... Pois não acha, Steinbroken?

O ministro tossiu, balbuciou:

— Certainement... C’est très grave... C’est excessivement grave...

Ega então afirmou que o amigo Gouvarinho, com o seu interesse geográfico pela África, faria um ministro da Marinha iniciador, original, rasgado...

Toda a face do conde reluzia, escarlate de prazer.

-


(...) um ministro da Marinha iniciador, original, rasgado...

-

— Sim, talvez... Mas eu lhe digo, meu querido Ega, nas colónias todas as coisas belas, todas as coisas grandes estão feitas. Libertaram- se já os escravos; deu-se-lhes já uma suficiente noção da moral cristã; organizaram-se já os serviços aduaneiros... Enfim, o melhor está feito. Em todo o caso há ainda detalhes interessantes a terminar... Por exemplo, em Luanda... Menciono isto apenas como um pormenor, um retoque mais de progresso a dar. Em Luanda precisava-se bem um teatro normal, como elemento civilizador!

(...)

In Eça de Queirós, Os Maias

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Todo Eça em O CASTENDO:

adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge

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Este governo não há-de cair – porque não é um edifício. Tem que sair com benzina – porque é uma nódoa!

(...)

Um dos círculos menos disputados era, nessa ocasião, o de Freixo de Espada à Cinta. Propunha-se como deputado da oposição um obscuro Gervásio Maldonado, proprietário local, com uma parentela larga na terra, interesses de lavoura, etc., e o governo Cardoso Torres combatia-o, apresentando na lista governamental, como candidato por Freixo de Espada à Cinta, o moço bacharel Artur Gavião, filho do presidente do Banco Nacional, que o pai, cansado da sua dissipação, queria forçar, pelos deveres que lhe imporia S. Bento – isto é o Parlamento – a uma vida disciplinada, sóbria e útil.

Conta-se que o Sr. Alexandre Herculano, a este respeito, dissera, com aquele espírito misantropo que a sua voz ríspida acentuava de um relevo amargo:

– Se o Gavião queria morigerar o rapaz, devia-o conservar no bordel, e não o mandar para o Parlamento!

Mas o que eu penso do Sr. Alexandre Herculano, dos seus ditos, da sua misantropia, da sua moral e das suas letras, escrevê-lo-ei um dia, desassombradamente.

O Sr. Artur Gavião (que tão desgraçadamente morreu depois afogado ao pé de Caxias), era pois o candidato governamental por Freixo de Espada à Cinta, quando Joaquim Osório Teixeira, ministro da Justiça, declarou, com decisão, que era sim-plesmente uma afronta ao Bom-Senso, à Câmara e à Dignidade do Governo, nomear por Freixo de Espada à Cinta um indivíduo que, às quatro horas da tarde, descia o Chiado, numa tipóia, com meretrizes andaluzas, inteiramente embriagado.

Gavião pai, mais tarde, afirmava que esta oposição do ministro da Justiça não era inspirada por puros motivos de moralidade pública, mas constituía a vingança pessoal de uma antiga humilhação, caso complicado de letras a três meses, etc., etc... como ele acrescentava com uma reticência maligna.

O Presidente do Conselho, porém, amigo do Gavião, e desejando conservar ao Governo aquele sólido apoio do Capital e da Propriedade, insistia na candidatura do libertino Artur.

Um dia, contudo, Joaquim Osório Teixeira declarou que faria dessa candidatura uma questão pessoal, que ele não podia autorizar o patrocinato legal do deboche, e que, se o Colega Cardoso insistisse, ele, Joaquim Teixeira, trotaria para Sintra a pôr a sua demissão nas mãos de S. M.

Cardoso, receando o conflito, riscou sem mais observações da lista governamental o nome do jovial libertino.

À noite, porém, em casa, ao chá, exprimiu com azedume o seu embaraço: não só descontentava o Gavião pai – um colosso – mas aí ficava o círculo de Freixo de Espada à Cinta vazio, viúvo...

– Homem – acudiu imediatamente o Dr. Vaz Correia, velho amigo da casa – parece-me que tenho exactamente o que lhe convém: o Alípio Abranhos!

Cardoso Torres não o conhecia pessoalmente. Vaz Correia, porém demonstrou-lhe com abundância eloquente as vantagens da escolha: como família, Alípio era um Noronha; como ilustração, um premiado; como posição de fortuna, era genro do Amado; como experiência política, fora redactor da Bandeira, formado na prudente escola do taciturno e profundo Conselheiro Gama Torres; como maneiras – um fidalgo; como lealdade – um Baiardo!

E Cardoso, apontando-lhe imediatamente no livro de notas que trazia sempre consigo, o nome, a idade, a morada e os prémios, retomou a sua xícara de chá, dizendo:

– Pois mande-mo cá. Metemo-lo por Freixo!

As eleições realizaram-se daí a três semanas e o ministério teve uma maioria compacta, sólida, homogénea.

Os jornais da oposição, é certo, afirmaram que, como corrupção, tricas, violências, peitas, influências obscenas, não só continuavam a tradição obsoleta dos Cabrais, mas ofereciam a evidência dolorosa da nossa decadência social!

O Estandarte dizia: «É imenso como torpeza; mas nós aplaudimos, porque um ministério que assim procede, inspira, ipso facto, um nojo genérico. Este governo não há-de cair – porque não é um edifício. Tem que sair com benzina – porque é uma nódoa!»

O Progresso Social afirmava: «somos o escárnio da Europa!»

A Nacionalidade informava com chiste: «Está averiguado que a maior parte das urnas tinham fundos falsos: nada admira o expediente, vindo de um ministério de pelotiqueiros» – aludindo maliciosamente ao ministro das Obras Públicas, cuja perícia em fazer habilidades com cartas era geralmente estimada e muito apreciada na socie-dade.

Mas o Globo, jornal do Governo, teve esta saída resplandecente: «O Estandarte,.jornal dos Bexigosos, escreve no seu artigo de ontem: «O governo não há-de cair – porque não é um edifício. Tem que sair com benzina – porque é uma nódoa!» Este plagiato é torpe: aquela frase foi escrita por nós, ipsis verbis, no nº 1214 deste jornal, na ocasião em que os Bexigosos elegeram a câmara passada».

Ambos os partidos se consideravam reciprocamente uma nódoa – e se queriam suprimir com benzina! Ah, quando se compenetrará a Imprensa da elevação do seu sacerdócio?

A única eleição que nunca foi vituperada nos jornais da oposição foi a de Freixo. Com efeito Alípio Abranhos, logo que soube da sua nomeação, prevendo os uivos da minoria, correu as redacções, onde, do tempo da sua colaboração na Bandeira, conservara ligações afectuosas, e foi dizendo, aqui e além, com uma notável habilidade política:

– Vocês compreendem. Eu venho por Freixo. Venho pelo Governo... Mas eu não me liguei, não me comprometi. Estou na expectativa. Vocês compreendem...

Compreenderam, creio – e a Nacionalidade escreveu mesmo: «o melhor resultado destas eleições, foi mandar à Câmara o nosso antigo condiscípulo, o Ex.mo Alípio Abranhos, esposo da formosa filha do digno Desembargador Amado, e que já nos bancos da Universidade era justamente reputado pelos seus dotes notáveis de orador».

(...)

In Eça de Queirós, O Conde d'Abranhos

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Ambos os partidos se consideravam reciprocamente uma nódoa – e se queriam suprimir com benzina!

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adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge

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Levantado do chão - Ou a história da epopeia do operariado agrícola Alentejano contada ao mundo

José Saramago, Prémio Nobel da Literatura em 1998 e recentemente falecido, escreveu e publicou o essencial da sua obra nos 20 anos anteriores à conquista desse prémio. O primeiro dos romances em que se revela o seu estilo próprio de escrita é precisamente Levantado do Chão. Publicado em 1980, representa para o autor «o último romance do Neo-Realismo, fora já do tempo neo-realista» (Reis, 1998, p.118). De facto, não sendo estritamente um romance neo-realista, Levantado do Chão pode ser visto como um entroncamento para onde confluiu toda uma forma de fazer literatura em Portugal no século XX.

Nesta obra de ficção Saramago aborda, por um lado, a história da vida e morte do latifúndio, com efeito, desde a Idade Média até finais dos anos 70 e, por outro lado, num espaço histórico mais curto, a saga da família Mau-Tempo «que, em três gerações (Domingos Mau-Tempo, seu filho João e seus netos António e Gracinda, esta casada com outra personagem central, António Espada), vai conquistar a terra para as capacidades do seu trabalho, vai arrancar-se à vergonha das humilhações, vai preencher a fome de uma falta total. O romance é, assim, a história de um fatalismo desenganado, constantemente combatido pelo apontar da esperança feita luta» (Seixo, 1987, p.39). As duas ondas históricas entrelaçam-se num período de tempo que vai do final do século XIX até aos anos seguintes à Revolução de 25 de Abril de 1974. Esta articulação entre dois planos tem a vantagem de oferecer uma problematização assaz instigante do papel e do lugar do(s) indivíduo(s) no desenvolvimento histórico mais vasto.

Ler Texto Integral

-

Eu sou um camelo e você é Minerva

(...)

De resto, caro Chagas, você tem razão. Ninguém ignora que eu sou um camelo. O meu lugar não é aqui no Atlântico: é lá ao longe, na extensa fila da minha caravana, pelo deserto fora, em direitura à costa do Hejaz, levando um fardo entre as duas corcundas, ruminando a ração de cardos, de olho cerrado e lábio pendente, balançando-me em cadência à melopeia de marcha que o guia vai cantando às estrelas. Enquanto que você, a própria sabedoria, com todos os atributos divinos da antiga Minerva, da Palas vencedora, a luminosa padroeira de Atenas, você tem o capacete, a lança, a dupla couraça de ouro sobre os dois seios, e a túnica caindo em pregas dogmáticas: assim se explica o nimbo cor de aurora que o acompanha, e o suave aroma de ambrósia e rosa que de si se exala. Você é Minerva, você é deusa.

Somente, deixe-me lembrar-lhe que Minerva era modesta. Em geral os deuses eram modestos: misturando-se tanto à vida dos homens, temiam-lhes muito o sarcasmo. E os homens mesmo, presentemente, quando têm algum valor também são sempre modestos. Os grandes ares de sabichão, como os ares de ricaço, como os ares de valentão, passaram totalmente de moda.

Há hoje nas sociedades cultas um tom geral de bom gosto, de ironia, de fino senso, que põem bem depressa no seu lugar os fanfarrões da sabedoria, do milhão ou do músculo.

Ao nababo que nos agita diante da face uma bolsa cheia de ouro, dizendo: —Pobretões! eu cá sou rico! responde-se tranquilamente: — Talvez, mas és grosseiro!

Ao mata-sete que nos mostre os seus pulsos de Sansão, e nos grite: — Fracalhões, eu cá sou forte! replica-se friamente: — Talvez, mas és brutal!

E ao sabichão que, com quatro volumes debaixo de cada braço, nos venha dizer, de alto: — Ignorantes! eu cá sou sábio! responde-se serenamente:— Talvez, mas és pedante!

E este tom, meu caro Chagas, é indispensável. Se não, os ricaços, os valentes e os sabichões, coligados entre si, tornariam bem cedo a sociedade inabitável.

Estas coisas passam-se assim, nas relações de homem para homem: mas, evidentemente, outro e bem diverso é o nosso caso. Eu (como você diz) sou um camelo; você (como eu afirmo) é Minerva. Está claro que devem ser reguladas por uma lei diferente, as relações entre uma deusa e uma besta de carga.

(...)

Eça de Queirós, Brasil e Portugal, Notas Contemporâneas.

Todo Eça em O CASTENDO:

No «episódio Vital» no 1º de Maio quem serão as «deusas» que querem fazer passar outros por «bestas»?   

                                                                    

adaptado de um e-mail enviado pelo Jorge

                                                                     

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