Com fios feitos de lágrimas passadas Os meninos do Huambo fazem alegria Constroem sonhos com os mais velhos de mãos dadas E no céu descobrem estrelas de magia
Com os lábios de dizer nova poesia Soletram as estrelas como letras E vão juntando no céu como pedrinhas Estrelas letras para fazer novas palavras
Os meninos à volta da fogueira Vão aprender coisas de sonho e de verdade Vão aprender como se ganha uma bandeira Vão saber o que custou a liberdade
Com os sorrisos mais lindos do planalto Fazem continhas engraçadas de somar Somam beijos com flores e com suor E subtraem manhã cedo por luar
Dividem a chuva miudinha pelo milho Multiplicam o vento pelo mar Soltam ao céu as estrelas já escritas Constelações que brilham sempre sem parar
Os meninos à volta da fogueira Vão aprender coisas de sonho e de verdade Vão aprender como se ganha uma bandeira Vão saber o que custou a liberdade
Palavras sempre novas, sempre novas Palavras deste tempo sempre novo Porque os meninos inventaram coisas novas E até já dizem que as estrelas são do povo
Assim contentes à voltinha da fogueira Juntam palavras deste tempo sempre novo Porque os meninos inventaram coisas novas E até já dizem que as estrelas são do povo
Minha Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram) tu me ensinaste a esperar como esperaste nas horas difíceis
Mas a vida matou em mim essa mística esperança
Eu já não espero sou aquele por quem se espera
Sou eu minha Mãe a esperança somos nós os teus filhos partidos para uma fé que alimenta a vida
Hoje somos as crianças nuas das sanzalas do mato os garotos sem escola a jogar a bola de trapos nos areais ao meio-dia somos nós mesmos os contratados a queimar vidas nos cafezais os homens negros ignorantes que devem respeitar o homem branco e temer o rico somos os teus filhos dos bairros de pretos além aonde não chega a luz elétrica os homens bêbedos a cair abandonados ao ritmo dum batuque de morte teus filhos com fome com sede com vergonha de te chamarmos Mãe com medo de atravessar as ruas com medo dos homens nós mesmos
Amanhã entoaremos hinos à liberdade quando comemorarmos a data da abolição desta escravatura
Nós vamos em busca de luz os teus filhos Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram) Vão em busca de vida.
Naquela roça grande não tem chuva é o suor do meu rosto que rega as plantações; Naquela roça grande tem café maduro e aquele vermelho-cereja são gotas do meu sangue feitas seiva.
O café vai ser torrado pisado, torturado, vai ficar negro, negro da cor do contratado. Negro da cor do contratado!
Perguntem às aves que cantam, aos regatos de alegre serpentear e ao vento forte do sertão:
Quem se levanta cedo? quem vai à tonga? Quem traz pela estrada longa a tipóia ou o cacho de dendém? Quem capina e em paga recebe desdém fuba podre, peixe podre, panos ruins, cinquenta angolares "porrada se refilares"?
Quem? Quem faz o milho crescer e os laranjais florescer? - Quem? Quem dá dinheiro para o patrão comprar máquinas, carros, senhoras e cabeças de pretos para os motores?
Quem faz o branco prosperar, ter barriga grande - ter dinheiro? - Quem?
E as aves que cantam, os regatos de alegre serpentear e o vento forte do sertão responderão:
- "Monangambééé..."
Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras Deixem-me beber maruvo e esquecer diluído nas minhas bebedeiras
Monangambé (O contratado) eram angolanos negros contratados para trabalhar nas roças dos brancos, na era colonial. Por vezes, em províncias de Angola bem distantes dos locais onde viviam. Deixavam as famílias para trás e iam ganhar a vida.