O que a comunicação social dominante esconde e não publica:
Proclamada em 1949, a República Popular da China teve de esperar 22 anos antes de ser reconhecida pelas Nações Unidas. Até 1971, Taiwan representou a China. Sob o título «Restauração dos direitos legítimos da República Popular da China às Nações Unidas», a resolução 2758 colocou a China no seu lugar legítimo:
«Recordando os princípios da Carta das Nações Unidas;
Considerando que a restauração dos direitos legítimos da República Popular da China é indispensável para a preservação da Carta das Nações Unidas e para a causa que as Nações Unidas devem servir em conformidade com a Carta;
Reconhecendo que os representantes do governo são os únicos representantes legítimos da China nas Nações Unidas e que a República Popular da China é um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança;
Decide restaurar à República Popular da China todos os seus direitos e reconhecer os representantes do seu governo como os únicos representantes legítimos da China nas Nações Unidas, e expulsar imediatamente os representantes de Chiang Kai-shek [ex-presidente da China que se refugiou com os seus exércitos em Taiwan, depois da vitória dos comunistas chineses] da sede que ocupam ilegalmente nas Nações Unidas e em todas as suas agências.
Reunião Plenária da ONU, 25 de Outubro de 1971.»
181 países têm relações diplomáticas com Pequim, tendo como base o respeito do princípio de «uma só China».
“Em 1978, o Comunicado Conjunto sobre o Estabelecimento das Relações Diplomáticas China-EUA reafirmou claramente que o Governo da República Popular da China é o único governo legítimo que represente toda a China, e Taiwan é uma parte da China.
Isso constitui o statu quo do estreito de Taiwan, que nunca foi alterado nas últimas décadas.” (Chen Xiaoling, Diário de Notícias, 13.8.22)
Taiwan é parte da China. Existe uma única China como reconhecem as Nações Unidas e os próprios Estados Unidos através de três documentos conjuntos assinados com Pequim.
Está provado o (a falta de) respeito dos presidentes USA pelos tratados que assinam...
A República Popular da China e Taiwan reconheceram em 1992 a existência de «uma única nação chinesa», decisão que tem um peso absoluto à escala planetária e se insere na política de «um país dois sistemas», um pilar da reintegração de Macau e Hong Kong na República Popular da China.
Poucas situações que internacionalmente ainda são consideradas polémicas ficaram tão esclarecidas como esta, por ser obra das partes directamente envolvidas e sem intermediários.
Não sobraram dúvidas:
Taiwan é território da China e um assunto exclusivamente chinês.
Os vínculos entre os separatistas tibetanos e os serviços secretos dos EUA persistem ininterruptamente desde o início dos anos 50. Apenas durante um breve período sofreram ajustes de intensidade, de 1974 a 1979, após o restabelecimento das relações sino-norte-americanas, promovidas por Mao Tsé Tung e Richard Nixon, convergindo com o período de funções de Gerald Ford na Casa Branca.
Com efeito, foi durante o mandato de Ford que a «causa tibetana» menos beneficiou, uma vez que o presidente considerava infrutíferas as intentonas armadas da CIA. O interregno porém não resistiu, e logo que Jimmy Carter foi eleito, o interesse pelo Tibete reanimou-se nos conteúdos talhados pela CIA no final da década de 40.
Seguir o rasto dos acontecimentos ocorridos na capital do Tibete a 14 do mês passado obriga, como refere James Miles, correspondente da The Economist e único jornalista ocidental presente no calor dos tumultos, a romper com os rumores que alimentam Lhasa. Informações apuradas por Miles e divulgadas num artigo publicado a 19 de Março indicam que os protestos se iniciaram logo na segunda-feira, 10 de Março, quando alguns monges de Lhasa e de mosteiros limítrofes saíram à rua para festejar a rebelião de 1959. Jill Drew, do Washington Post, confirma a notícia num trabalho publicado no dia 27, e acrescenta que a polícia procurou impedir a manifestação no centro da cidade e deteve pelo menos 15 pessoas, mas, sustentando-se em testemunhos oculares, adianta que não se registaram agressões policiais, como começou entretanto a ser difundido. O boato avolumou-se e, sexta-feira, 14 de Março, novo protesto do Mosteiro de Ramoche acendeu o rastilho. Nessa tarde, na principal artéria de Lhasa «uma multidão de várias dúzias de pessoas saíram enlouquecidas, algumas delas aos berros ao mesmo tempo que apedrejavam lojas de chineses de etnia han», escreve Miles na revista The Economist. As mercadorias começaram a inundar as ruas criando enormes pilhas de fogo. Dezenas de edifícios foram incendiados. «Durante horas, as forças de segurança pouco fizeram», sublinha Miles. Só pela manhã o quarteirão tibetano, centro da acção, foi cercado pelo exército que, apesar do aparato, possibilitou que a destruição se prolongasse, para espanto do jornalista e desespero dos habitantes do bairro, à mercê dos grupos de amotinados. Alegadamente, as autoridades terão procurado evitar os confrontos com os grupos de jovens irados e, mesmo quando começaram a patrulhar o quarteirão tibetano, ouviam-se raros disparos para o ar. «Tiros singulares, deliberados, provavelmente mais de aviso do que com a intenção de matar», assegura Miles. Jill Drew relata uma entrevista a um turista canadiano, John Kenwood, feita depois deste chegar a Katmandu, no Nepal. Kenwood confessa ter acompanhado a multidão que gritava «free Tibet». «Fazer parte de um bando poderoso e aos uivos que forçava a polícia a meter o rabo entre as pernas» suscitava-lhe um sentimento emocionante. Mas o entusiasmo esfumou-se na conduta violenta. De repente pararam, lembra, «parecia que se iam virar contra toda a gente. Aquilo já nada tinha a ver com a liberdade no Tibete».
No Post, outro turista, o suíço Claude Balsiger, conta ter visto um idoso chinês ser atirado ao chão e um jovem de um dos grupos esmagar-lhe a cabeça com uma pedra, isto apesar de tibetanos mais velhos procurarem impedir. Hospitais, carros de bombeiros que corriam a apagar fogos, ambulâncias, transportes colectivos, instalações de rede eléctrica, um total de 300 prédios e mais de 200 residências ou estabelecimentos comerciais foram alvos da fúria. De acordo com o balanço feito pelo governo chinês, os apoiantes «da causa tibetana» mataram 19 pessoas e feriram 623, das quais 382 civis e 241 polícias.
Texto Hugo Janeiro Ao contrário do que se presume, o Dalai Lama que nos entra casa dentro, sorridente e afável, no pequeno ecrã, não é originário do território historicamente considerado como parte integrante do Tibete. O menino a que os pais chamaram Kenzin Gyatso, nasceu, em 1935, na província de Amdo, território incontestavelmente pertencente à China. Só em 1938, e após apurada ponderação dos sábios religiosos, é que o pequeno Gyatso é indicado como sendo a reincarnação do anterior Dalai Lama, o 13.º. A ecuménica conclusão motivou a passagem de Gyatso do seio familiar para o isolamento num mosteiro, onde, desde tenra idade, fica restrito à influência exclusiva dos monges, «que o ensinam a sentir, pensar, escrever, falar e comportar-se como o deus-rei tibetano», sublinha Domenico Losurdo. Cingido à disciplinada esfera monástica, Kenzin Gyatso interioriza o papel de Dalai Lama, aprende tibetano e sofre com a separação dos pais, facto que confessa a Heinrich Harrer no livro «Sete anos no Tibete». No mesmo texto – que merece no final uma mensagem de gratidão do Dalai Lama –, Harrer revela que, em 1946, encontra em Lhasa os pais de Kenzin Gyatso. Estes ascenderam socialmente. Gozam do conforto proporcionado pelo poder e riqueza inerentes aos progenitores de sua santidade, mas mantêm enraizados muitos dos hábitos da anterior proveniência. Não dominam o idioma local e seguem o ritual do chá como a maioria dos chineses. Seria igualmente de supor que, tendo sido escolhido para suceder ao 13.º Dalai Lama por meditada revelação, Kenzin Gyatso conservasse o costume e deixasse nas mãos da divina providência a sua régia linhagem. Puro engano. Segundo Humberto Alencar, em Novembro do ano passado, o actual Dalai Lama propôs que, «em vez de esperar que os sábios religiosos encontrassem a próxima encarnação, fosse ele quem a escolhesse». Alencar acrescenta que «para impor o seu método e estabelecer uma linha sucessória segura para os separatistas, o Dalai Lama sugeriu um referendo entre os budistas tibetanos». A proposta demonstra o empenho de Kenzin Gyatso em determinar a escolha do seu herdeiro, mas parece ter sido recebida pelos Lamas com escasso entusiasmo. Sobre a enigmática personagem, o professor Elias Jabbour lembra que, em 1989, quando o «pacifista» foi agraciado com o Prémio Nobel da Paz, defendia a detenção de armas nucleares por parte da Índia. Mais recentemente, notou ainda Humberto Alencar, o 14.º Dalai Lama declarou ser «muito cedo para dizer se a guerra no Iraque foi um erro» e mostrou-se convicto da necessidade de «reprimir o terrorismo». Mesmo não tendo feito luz sobre o que considera «reprimir», a declaração soa estranha proferida por alguém que se apresenta como genuíno defensor da paz.
No último mês e meio, o Tibete saltou para as primeiras páginas dos jornais e revistas, abriu telejornais e alimentou horas de conversa manhosa por parte de comentadores e especialistas.
O desenrolar da meada em torno da contestação ao Jogos Olímpicos de Pequim torna claro que o objectivo é nutrir a campanha anti-China perfilada nos centros de decisão transatlânticos. O Tibete, o Dalai Lama e a sua «causa» são meros instrumentos. Para o grande capital, o que realmente está em causa é o domínio geopolítico de uma parcela de 1 milhão e 200 mil quilómetros quadrados, onde nascem os mais importantes rios da Ásia: o Amarelo e o Azul, em direcção à China, o Mekong, cujo delta se situa no Vietname, o Indo e o Ganges, os maiores da Índia; cujos recursos hídricos oferecem um potencial energético precioso e o subsolo tem ferro, ouro, chumbo, cobre, urânio, crómio e prata. Em fase imperialista, a natureza predadora do capitalismo exige que uma oitava parte do território chinês passe a ser um seu protectorado, repetindo o cenário do século XIX quando a China dilacerada pelas Guerras do Ópio se transformou numa semi-colónia aberta às rotas do tráfico de droga. A orientação é retomar a venda de armas aos secessionistas de Taiwan, promover o Dalai Lama e a mistificação religiosa, dos «direitos humanos» e da independência do Tibete. Tanto faz se desde o século XIII nunca nenhuma nação reconheceu o Tibete como um território independente; se a China é um país com cerca de 4 mil anos de história contínua integrando hoje 56 nacionalidades reconhecidas constitucionalmente. Tudo o que importa a Bush, Sarkozy, Durão ou Brown é que a China cresce e agiganta-se, assumindo-se soberana e capaz de traçar autonomamente o seu destino frente à hegemonia mundial da UE e dos EUA. Nas páginas seguintes denunciamos a duplicidade do Dalai Lama e os interesses da camarilha que o acompanha, hoje como ontem. Lembramos as relações sociais no Tibete antes da reunificação com a China e as tentativas da CIA para o impedir. Olhamos dum ponto de vista crítico os acontecimentos do passado dia 10 de Março na capital tibetana, Lhasa.