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O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

O CASTENDO

TERRAS DE PENALVA ONDE «A LIBERDADE É A COMPREENSÃO DA NECESSIDADE»

Jantar Palestino, Homenagem às Mulheres Palestinas e mais

Cartaz Jantar Palestino 2016

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MPPM – Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente – organiza, no próximo dia 25 de Novembro, pelas 20 horas, no Grupo Sportivo Adicense (Rua de São Pedro, 20, a Alfama, em Lisboa, o tradicional Jantar Palestino, integrado nas Jornadas de Solidariedade com a Palestina – 2016.

A ementa, que pode ver no cartaz anexo, de responsabilidade do Chefe Ashraf, é aliciante e variada, proporcionando um apetitoso contacto com a cultura gastronómica palestina.

Contamos, ainda, com a amável e generosa colaboração do grupo Canto Ondo, integrado por Rodrigo Crespo e Tânia Cardoso, que interpretará poemas musicados do Al-Andaluz.

 

Entretanto recordamos que, na quarta-feira, 9 de Novembro, pelas 21 horas, na Sala 2 do Teatro A Barraca (Largo de Santos, 2, em Lisboa), o MPPM promoveu uma Homenagem às Mulheres Palestinas, também integrada no programa das Jornadas de Solidariedade com a Palestina – 2016.

 

São dois eventos de solidariedade diferentes, integrados num programa mais amplo que inclui, ainda:

Terça-Feira, 29 de Novembro, 18.30 horas – Casa do Alentejo (Rua das Portas de Santo Antão, 58, Lisboa) – Sessão do Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino, integrando uma homenagem a Silas Cerqueira, activista da Paz e fundador do MPPM, recentemente falecido.

Quarta-Feira, 30 de Novembro, 21 horas – Biblioteca Municipal de Pinhal Novo – Inauguração da Exposição “Gaza 2014 – Testemunho de Uma Agressão, seguida da projecção de um documentário sobre a questão palestina e debate. Este evento é organizado em cooperação com a Câmara Municipal de Palmela e a Missão Diplomática da Palestina.

Terça-Feira, 6 de Dezembro, 18.30 horas – Colóquio sobre “A Palestina, o Direito Internacional e a Constituição Portuguesa, com a participação de reputados juristas.

 

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Jornadas de Solidariedade com a Palestina 2016 - Homenagem às Mulheres Palestinas

Cartaz Homenagem Mulheres Palestinas

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No próximo dia 9 de Novembro, pelas 21 horas, na Sala 2 da Barraca (Largo de Santos, 2, em Lisboa), uma “Homenagem às Mulheres Palestinas” abre as Jornadas de Solidariedade com a Palestina – 2016 organizadas pelo MPPM.

Começaremos por assistir à performance Corpo na Trouxa. Shahd Wadi, que a interpreta acompanhada no contrabaixo por Luís Grácio, descreve-a assim: “História de vida de um corpo exilado contada pela trouxa palestina. Uma narrativa feminista sobre o sonho do regresso”.

Seguir-se-á uma apresentação de Poesia Palestina no Feminino. São poemas escritos por mulheres palestinas ou dedicados à mulher palestina ditos por Maria do Céu Guerra.

A sessão culmina com um debate sobre A Mulher Palestina na Sociedade. Maria do Céu Guerra (MPPM), Regina Marques (MDM), Ana Cansado (UMAR) e Shahd Wadi vão falar do papel das mulheres palestinas na família, no trabalho, na cultura, na política e na luta.

É um momento de solidariedade diferente, a justificar uma ida à Barraca no próximo dia 9 de Novembro.

Vá, traga um amigo e divulgue!

 

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De AÇO e de SONHO

ACR_iniciat_deACOedeSONHO

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A Associação Conquistas da Revolução e o Teatro Extremo apresentam De AÇO e de SONHO, dia 16 de Junho, pelas 21 horas, na Casa do Alentejo.

A entrada é livre.

 

UPP: 42 Anos Depois, e o Quê?

UPP Teatro

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«Teatro Documentário: Teatro que só usa, para seu texto, documentos e fontes autênticas, seleccionadas e “montadas” em função da tese sociopolítica do dramaturgo (encenador?)

Patrice Pavis in Dicionários do Teatro

 

UPP: Curso de Introdução ao Teatro

UPP Cursos Teatro

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Este curso - uma parceria UPP/Teatro Ensaio e orientado por Inês Leite e Pedro Estorninho - tem como objetivo mostrar ao público comum o processo técnico, artístico e teórico das práticas teatrais.

Pretende também proporcionar a experiência da montagem de um exercício/espetáculo teatral que será apresentado no final do ano.

 

As cinco dificuldades para escrever a verdade (Recapitulação)

Bertolt_Brecht.jpg

(continuação)

Hoje, o escritor que deseje combater a mentira e a ignorância tem de lutar, pelo menos, contra cinco dificuldades. É-lhe necessária a coragem de dizer a verdade, numa altura em que por toda a parte se empenham em sufocá-la; a inteligência de a reconhecer, quando por toda a parte a ocultam; a arte de a tornar manejável como uma arma; o discernimento suficiente para escolher aqueles em cujas mãos ela se tornará eficaz; finalmente, precisa de ter habilidade para difundir entre eles. Estas dificuldades são grandes para os que escrevem sob o jugo do fascismo; aqueles que fugiram ou foram expulsos também sentem o peso delas; e até os que escrevem num regime de liberdades burguesas não estão livres da sua acção.

 

RECAPITULAÇÃO

 

A grande verdade da nossa época (só seu conhecimento em nada nos faz avançar, mas sem ela não se pode alcançar nenhuma outra verdade importante) é que o nosso continente se afunda na barbárie porque nele se mantêm pela violência determinadas relações de propriedade dos meios de produção. De que serve escrever frases corajosas mostrando que é bárbaro o estado de coisas em que nos afundamos (o que é verdade), se a razão de termos caído nesse estado não se descortina com clareza? É nossa obrigação dizer que, se se tortura, é para manter as relações de propriedade. Claro que ao dizermos isso perdemos muitos amigos; aqueles que são contra a tortura porque julgam ser possível manter sem ela as relações de propriedade (o que é falso).

Devemos dizer a verdade sobre as condições bárbaras que reinam no nosso país a fim de tornar possível a acção que as fará desaparecer, isto é, que transformará as relações de propriedade.

Devemos dizê-la aos que mais sofrem com as relações de propriedade e estão mais interessados na sua transformação, ou seja: aos operários e aos que podemos levar a aliarem-se com eles, por não serem proprietários dos meios de produção, embora associados aos lucros e benefícios da exploração de quem produz. E, é claro, devemos proceder com astúcia.

Devemos resolver em conjunto, e ao mesmo tempo, estas cinco dificuldades, já que não podemos procurar a verdade sobre condições bárbaras sem pensar nos que sofrem essas condições e estão dispostos a utilizar esse conhecimento. Além disso, temos de pensar em apresentar-lhes a verdade sob uma forma susceptível de se transformar numa arma nas suas mãos, e simultaneamente com a astúcia suficiente para que a operação não seja descoberta e impedida pelo inimigo.

São estas as virtudes exigidas ao escritor empenhado em dizer a verdade.

Bertolt Brecht_assinatura

Bertolt Brecht, Texto de 1934

Tradução de Ernesto Sampaio.
Publicado no Diário de Lisboa de 25/Abr/82

 

As cinco dificuldades para escrever a verdade (V)

Bertolt Brecht_1931.jpg

(continuação)

Hoje, o escritor que deseje combater a mentira e a ignorância tem de lutar, pelo menos, contra cinco dificuldades. É-lhe necessária a coragem de dizer a verdade, numa altura em que por toda a parte se empenham em sufocá-la; a inteligência de a reconhecer, quando por toda a parte a ocultam; a arte de a tornar manejável como uma arma; o discernimento suficiente para escolher aqueles em cujas mãos ela se tornará eficaz; finalmente, precisa de ter habilidade para difundir entre eles. Estas dificuldades são grandes para os que escrevem sob o jugo do fascismo; aqueles que fugiram ou foram expulsos também sentem o peso delas; e até os que escrevem num regime de liberdades burguesas não estão livres da sua acção.

 

5- HABILIDADE PARA DIFUNDIR A VERDADE

 

Muitos, orgulhosos de ter a coragem de dizer a verdade, contentes por a terem encontrado, porventura fatigados com o esforço necessário para lhe dar uma forma manejável, aguardam impacientemente que aqueles cujos interesses defendem a tomem em suas mãos e consideram desnecessário o uso de manhas e estratagemas para a difundir. Frequentemente, é assim que perdem todo o fruto do seu trabalho. Em todos os tempos, foi necessário recorrer a "truques" para espalhar a verdade, quando os poderosos se empenhavam em abafá-la e ocultá-la. Confúcio falsificou um velho calendário histórico nacional, apenas lhe alterando algumas palavras. Quando o texto dizia: "o senhor de Kun condenou à morte o filósofo Wan por ter dito frito e cozido", Confúcio substituía "condenou à morte" por "assassinou". Quando o texto dizia que o Imperador Fulano tinha sucumbido a um atentado, escrevia "foi executado". Com este processo, Confúcio abriu caminho a uma nova concepção da história.

Na nossa época, aquele que em vez de "povo", diz "população", e em lugar de “terra", fala de "latifúndio", evita já muitas mentiras, limpando as palavras da sua magia de pacotilha. A palavra "povo" exprime uma certa unidade e sugere interesses comuns; a "população" de um território tem interesses diferentes e opostos. Da mesma forma, aquele que fala em "terra" e evoca a visão pastoral e o perfume dos campos favorece as mentiras dos poderosos, porque não fala do preço do trabalho e das sementes, nem no lucro que vai parar aos bolsos dos ricaços das cidades e não aos dos camponeses que se matam a tornar fértil o "paraíso". "Latifúndio" é a expressão justa: torna a aldrabice menos fácil. Nos sítios onde reina a opressão, deve-se escolher, em vez de "disciplina", a palavra "obediência", já que mesmo sem amos e chefes a disciplina é possível, e caracteriza-se portanto por algo de mais nobre que a obediência. Do mesmo modo, "dignidade humana" vale mais do que "honra": com a primeira expressão o indivíduo não desaparece tão facilmente do campo visual; por outro lado, conhece-se de ginjeira o género de canalha que costuma apresentar-se para defender a honra de um povo, e com que prodigalidade os gordos desonrados distribuem "honrarias" pelos famélicos que os engordam.

Ao substituir avaliações inexactas de acontecimentos nacionais por notações exactas, o método de Confúcio ainda hoje é aplicável. Lénine, por exemplo, ameaçado pela polícia do czar, quis descrever a exploração e a opressão da ilha Sakalina pela burguesia russa. Substituiu "Rússia" por "Japão" e "Sakalina" por "Coreia". Os métodos da burguesia japonesa faziam lembrar a todos os leitores os métodos da burguesia russa em Sakalina, mas a brochura não foi proibida, porque o Japão era inimigo da Rússia. Muitas coisas que não podem ser ditas na Alemanha a propósito da Alemanha, podem sê-lo a propósito da Áustria. Há muitas maneiras de enganar um Estado vigilante.

Voltaire combateu a fé da Igreja nos milagres, escrevendo um poema libertino sobre a Donzela de Orleans, no qual são descritos os milagres que sem dúvida foram necessários para Joana d'Arc permanecer virgem no exército, na Corte e no meio dos frades.

Pela elegância do seu estilo e a descrição de aventuras galantes inspiradas na vida relaxada das classes dirigentes, levou estas a sacrificar uma religião que lhes fornecia os meios de levar essa vida dissoluta. Mais e melhor deu assim às suas obras a possibilidade de atingir por vias ilegais aqueles a quem eram destinadas. Os poderosos que Voltaire contava entre os seus leitores favoreciam ou toleravam a difusão dos livros proibidos, e desse modo sacrificavam a polícia que protegia os seus prazeres. E o grande Lucrécio sublinha expressamente que, para propagar o ateísmo epicurista confiava muito na beleza dos seus versos.

Não há dúvida de que um alto nível literário pode servir de salvo-conduto à expressão de uma ideia. Contudo, muitas vezes desperta suspeitas. Então, pode ser indicado baixá-lo intencionalmente. É o que acontece, por exemplo, quando sob a forma desprezada do romance policial, se introduz à socapa, em lugares discretos, a descrição dos males da sociedade. O grande Shakespeare baixou o seu nível por considerações bem mais fracas, quando tratou com uma voluntária ausência de vigor o discurso com que a mãe de Coriolano tentou travar o filho, que marchava sobre Roma: Shakespeare pretendia que Coriolano desistisse do seu projecto, não por causa de razões sólidas ou de uma emoção profunda, mas por uma certa fraqueza de carácter que o entregava aos seus velhos hábitos. Encontramos igualmente em Shakespeare um modelo de manhas na difusão da verdade: o discurso de Marco António perante o corpo de César, quando repete com insistência que Brutus, assassino de César, é um homem honrado, descrevendo ao mesmo tempo o seu acto, e a descrição do acto provoca mais impressão que a do autor.

Jonathan Swift propôs numa das suas obras o seguinte meio de garantir o bem-estar da Irlanda: meter em salmoura os filhos dos pobres e vendê-los como carniça no talho. Através de minuciosos cálculos, provava que se podem fazer grandes economias quando não se recua diante de nada. Swift armava voluntariamente em imbecil, defendendo uma maneira de pensar abominável e cuja ignomínia saltava aos olhos de todos. O leitor podia-se mostrar mais inteligente, ou pelo menos mais humano que Swift, sobretudo aquele que ainda não tinha pensado nas consequências decorrentes de certas concepções.

São consideradas baixas as actividades úteis aos que são mantidos no fundo da escala: a preocupação constante pela satisfação de necessidades; o desdém pelas honrarias com que procuram engodar os que defendem o país onde morrem de fome; a falta de confiança no chefe quando o chefe nos leva a todos à catástrofe; a falta de gosto pelo trabalho quando ele não alimenta o trabalhador; o protesto contra a obrigação de ter um comportamento de idiotas; a indiferença para com a família, quando de nada serve a gente interessar-se por ela. Os esfomeados são acusados de gulodice; os que não têm nada a defender, de cobardia; os que duvidam dos seus opressores, de duvidar da sua própria força; os que querem receber a justa paga pelo seu trabalho, de preguiça, etc..

Numa época como a nossa, os governos que conduzem as massas humanas à miséria, têm de evitar que nessa miséria se pense no governo, e por isso estão sempre a falar em fatalidade. Quem procura as causas do mal, vai parar à prisão antes que a sua busca atinja o governo. Mas é sempre possível opormo-nos à conversa fiada sobre a fatalidade: pode-se mostrar, em todas as circunstâncias, que a fatalidade do homem é obra de outros homens. Até na descrição de uma paisagem se pode chegar a um resultado conforme à verdade, quando se incorporam à natureza as coisas criadas pelo homem.

(continua)

 

As cinco dificuldades para escrever a verdade (IV)

Bertolt Brecht_1

(continuação)

Hoje, o escritor que deseje combater a mentira e a ignorância tem de lutar, pelo menos, contra cinco dificuldades. É-lhe necessária a coragem de dizer a verdade, numa altura em que por toda a parte se empenham em sufocá-la; a inteligência de a reconhecer, quando por toda a parte a ocultam; a arte de a tornar manejável como uma arma; o discernimento suficiente para escolher aqueles em cujas mãos ela se tornará eficaz; finalmente, precisa de ter habilidade para difundir entre eles. Estas dificuldades são grandes para os que escrevem sob o jugo do fascismo; aqueles que fugiram ou foram expulsos também sentem o peso delas; e até os que escrevem num regime de liberdades burguesas não estão livres da sua acção.

 

4- DISCERNIMENTO SUFICIENTE PARA ESCOLHER OS QUE TORNARÃO A VERDADE EFICAZ

 

Tirando ao escritor a preocupação pelo destino dos seus textos, as usanças seculares do comércio da coisa escrita no mercado das opiniões deram-lhe a impressão de que a sua missão terminava logo que o intermediário, cliente ou editor, se encarregava de transmitir aos outros a obra acabada. O escritor pensava: falo e ouve-me quem me quiser ouvir. Na verdade, ele falava e quem podia pagar ouvia-o. Nem todos ouviam as suas palavras, e os que as ouviam não estavam dispostos a ouvir tudo o que se lhes dizia. Tem-se falado muito desta questão, mas mesmo assim ainda não chega o que se tem dito: limitar-me-ei aqui a acentuar que "escrever a alguém" tornou-se pura e simplesmente "escrever". Ora não se pode escrever a verdade e basta: é absolutamente necessário escrevê-la a "alguém" que possa tirar partido dela. O conhecimento da verdade é um processo comum aos que lêem e aos que escrevem. Para dizer boas coisas, é preciso ouvir bem e ouvir boas coisas. A verdade deve ser pesada por quem a diz e por quem a ouve. E para nós que escrevemos, é essencial saber a quem a dizemos e quem no-la diz.

Devemos dizer a verdade sobre um mau estado de coisas àqueles que o consideram o pior estado de coisas, e é desses que devemos aprender a verdade. Devemos não só dirigir-nos às pessoas que têm uma certa opinião, mas também aos que ainda a não têm e deviam tê-la, ditada pela sua própria situação. Os nossos auditores transformam-se continuamente! Até se pode falar com os próprios carrascos quando o prémio dos enforcamentos deixa de ser pago pontualmente ou o perigo de estar com os assassinos se torna muito grande. Os camponeses da Baviera não costumam querer nada com revoluções, mas quando as guerras duram demais e os seus filhos, no regresso, não arranjam trabalho nas quintas, tem sido possível ganhá-los para a revolução.

Para quem escreve, é importante saber encontrar o tom da verdade. Um acento suave, lamentoso, de quem é incapaz de fazer mal a uma mosca, não serve. Quem, estando na miséria, ouve tais lamúrias, sente-se ainda mais miserável. Em nada o anima a cantilena dos que, não sendo seus inimigos, não são certamente seus companheiros de luta. A verdade é guerreira, não combate só a mentira, mas certos homens bem determinados que a propagam.

(continua)

 

As cinco dificuldades para escrever a verdade (III)

Bertolt Brecht_3

(continuação)

Hoje, o escritor que deseje combater a mentira e a ignorância tem de lutar, pelo menos, contra cinco dificuldades. É-lhe necessária a coragem de dizer a verdade, numa altura em que por toda a parte se empenham em sufocá-la; a inteligência de a reconhecer, quando por toda a parte a ocultam; a arte de a tornar manejável como uma arma; o discernimento suficiente para escolher aqueles em cujas mãos ela se tornará eficaz; finalmente, precisa de ter habilidade para difundir entre eles. Estas dificuldades são grandes para os que escrevem sob o jugo do fascismo; aqueles que fugiram ou foram expulsos também sentem o peso delas; e até os que escrevem num regime de liberdades burguesas não estão livres da sua acção.

 

3- A ARTE DE TORNAR A VERDADE MANEJÁVEL COMO UMA ARMA

 

O que torna imperiosa a necessidade de dizer a verdade são as consequências que isso implica no que diz respeito à conduta prática. Como exemplo de verdade inconsequente ou de que se poderão tirar consequências falsas, tomemos o conceito largamente difundido, segundo o qual em certos países reina um estado de coisas nefasto, resultante da barbárie. Para esta concepção, o fascismo é uma vaga de barbárie que alagou certos países com a violência de um fenómeno natural.

Os que assim pensam, entendem o fascismo como um novo movimento, uma terceira força justaposta ao capitalismo e ao socialismo (e que os domina). Para quem partilha esta opinião, não só o movimento socialista, mas também o capitalismo teriam podido, se não fosse o fascismo, continuar a existir, etc.. Naturalmente que se trata de uma afirmação fascista, de uma capitulação perante o fascismo. O fascismo é uma fase histórica na qual o capitalismo entrou; por consequência, algo de novo e ao mesmo tempo de velho. Nos países fascistas, a existência do capitalismo assume a forma do fascismo, e não é possível combater o fascismo senão enquanto capitalismo, senão enquanto forma mais nua, mais cínica, mais opressora e mais mentirosa do capitalismo.

Como se poderá dizer a verdade sobre o fascismo que se recusa, se quem diz essa verdade se abstêm de falar contra o capitalismo que engendra o fascismo? Qual será o alcance prático dessa verdade?

Aqueles que estão contra o fascismo sem estar contra o capitalismo, que choramingam sobre a barbárie causada pela barbárie, assemelham-se a pessoas que querem receber a sua fatia de assado de vitela, mas não querem que se mate a vitela. Querem comer vitela, mas não querem ver sangue. Para ficarem contentes, basta que o magarefe lave as mãos antes de servir a carne. Não são contra as relações de propriedade que produzem a barbárie, mas são contra a barbárie.

As recriminações contra as medidas bárbaras podem ter uma eficácia episódica, enquanto os auditores acreditarem que semelhantes medidas não são possíveis na sociedade onde vivem. Certos países gozam do raro privilégio de manter relações de propriedade capitalistas por processos aparentemente menos violentos. A democracia ainda lhes presta os serviços que noutras partes do mundo só podem ser prestados mediante o recurso à violência, quer dizer, aí a democracia chega para garantir a propriedade privada dos meios de produção. O monopólio das fábricas, das minas, dos latifúndios gera em toda a parte condições bárbaras; digamos que em alguns sítios a democracia torna essas condições menos visíveis. A barbárie torna-se visível logo que o monopólio já só pode encontrar protecção na violência nua.

Certas nações que conseguem preservar os monopólios bárbaros sem renunciar às garantias formais do direito, nem a comodidades como a arte, a filosofia, a literatura, acolhem carinhosamente os hóspedes cujos discursos procuram desculpar o seu país natal de ter renunciado a semelhantes confortos: tudo isso lhes será útil nas guerras vindouras. É lícito dizer-se que reconheceram a verdade, aqueles que reclamam a torto e a direito uma luta sem quartel contra a Alemanha, apresentada como verdadeira pátria do mal da nossa época, sucursal do inferno, caverna do Anticristo? Desses, não será exagerado pensar que não passam de impotentes e nefastos imbecis, já que a conclusão do seu blá-blá-blá aponta para a destruição desse país inteiro e de todos os seus habitantes (o gás asfixiante, quando mata, não escolhe os culpados).

O homem frívolo, que não conhece a verdade, exprime-se através de generalidades, em termos nobres e imprecisos. Encanta-o perorar sobre "os" alemães ou lançar-se em grandes tiradas sobre "o" Mal, mas a verdade é que nós, aqueles a quem o homem frívolo fala, ficamos embaraçados, sem saber que fazer de semelhantes ditames. Afinal de contas, o nosso homem decidiu deixar de ser alemão? E lá por ele ser bom, o inferno vai desaparecer? São desta espécie as grandes frases sobre a barbárie. Para os seus autores, a barbárie vem da barbárie e desaparece graças à educação moral que vem da educação. Que miséria a destas generalidades, que não visam qualquer aplicação pratica e, no fundo, não se dirigem a ninguém.

Não nos admiremos que se digam de esquerda, "mas" democratas, os que só conseguem elevar-se a tão fracas e improfícuas verdades. A "esquerda democrática" é outra destas generalidades-álibis onde correm a acoitar-se as pessoas inconsequentes, isto é, os incapazes de viver até as últimas consequências as verdades que quer a esquerda, quer a democracia contêm. Reclamar-se alguém da "esquerda democrática" significa, em termos práticos, que pertence ao grupo dos ineptos para revolucionar ou conservar as coisas, ao clã dos generalistas da verdade.

Não é a mim, fugido da Alemanha com a roupa que tinha no corpo, que me vão apresentar o fascismo como uma espécie de força motriz natural impossível de dominar. A escuridade dessas descrições esconde as verdadeiras forças que produzem as catástrofes. Um pouco de luz, e logo se vê que são homens a causa das catástrofes. Pois é, amigos: vivemos num tempo em que o homem é o destino do homem.

O fascismo não é uma calamidade natural, que se possa compreender a partir da "natureza" humana. Mas mesmo confrontados com catástrofes naturais, há um modo de descrevê-las digno do homem, um modo que apela para as suas qualidades combativas.

O cronista de grandes catástrofes como o fascismo e a guerra (que não são catástrofes naturais) deve elaborar uma verdade praticável, mostrar as calamidades que os que possuem os meios de produção infligem às massas imensas dos que trabalham e não os possuem.

Se se pretende dizer eficazmente a verdade sobre um mau estado de coisas, é preciso dizê-la de maneira que permita reconhecer as suas causas evitáveis. Uma vez reconhecidas as causas evitáveis, o mau estado de coisas pode ser combatido.

(continua)

 

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