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Texto de José Paulo Gascão
Neste artigo José Paulo Gascão desmascara a farsa mediática montada por Uribe a propósito do resgate de Ingrid Betancourt,resultante na realidade da traição de dois responsáveis das FARC. Evoca tambem - citando passagens do livro da jornalista Virginia Vallejo - pormenores da amizade que ligou o actual presidente da Colombia a Pablo Escobar, tão sólida que o rei do narcotráfico afirmava que sem a colaboração activa de Uribe o negócio da droga não teria podido desenvolver-se.
Não foi por razões humanitárias que o governo de Álvaro Uribe rejubilou com o resgate de Ingrid Bettancourt, dos 3 norte-americanos «cedidos pelo FBI à DEA» e de mais 11 prisioneiros de guerra.
O resgate do passado dia 2 de Julho também não teve nada a ver com o guião descrito pelo governo colombiano, digno de um daqueles filmes de Hollywood em que se reescreve a História da 2ª Guerra Mundial.
Um comunicado do Secretariado das FARC de 5 de Julho esclarecia que «a fuga dos 15 prisioneiros de guerra (…) foi consequência directa da desprezível conduta de César e Enrique [os dois ex-guerrilheiros exibidos na TV], que atraiçoaram o seu compromisso revolucionário e a confiança que neles se depositou». A Rádio Suisse Romande, com boas relações com o negociador suíço junto das FARC para o intercâmbio humanitário, fala num pagamento de 20 milhões de dólares.
Este revés das FARC serviu a Uribe para uma grande operação de propaganda mediática com objectivos precisos:
• Resumir o problema dos prisioneiros de guerra de cada uma das forças beligerantes a Ingrid Bettancourt e aos 3 norte-americanos. Mesmo os restantes prisioneiros resgatados ficaram no limbo noticioso: foram 11;
• Fazer esquecer que o Exército colombiano, apesar dos seus 400.000 efectivos, é incapaz de derrotar as FARC;
• Impedir o intercâmbio humanitário das centenas de prisioneiros de guerra em poder das duas forças beligerantes;
• Desviar a atenção da acusação que lhe moveu o Supremo Tribunal por ter comprado os votos no Congresso que permitiram a sua reeleição, e do facto de 32 senadores (a maioria do Partido de Uribe), num total de 102, estarem presos e/ou acusados de ligações aos cartéis da droga, aos bandos paramilitares e à venda de votos que permitiu a reeleição de Uribe;
• Dar início a uma extraordinária operação de propaganda interna e externa de auto-promoção, tentando garantir que os EUA não lhe darão o tratamento que deram ao também traficante de droga general Noriega do Panamá.
Ingrid Bettancourt
Seja qual for a posição que se tenha em relação ao conflito colombiano, o fim do sofrimento de prisioneiros de guerra é sempre um motivo de regozijo.
A verdade é que, de facto, Ingrid não é verdadeiramente uma prisioneira de guerra. Eleita senadora em 1998 pelo Partido Liberal, decide candidatar-se à Presidência da República em 2002. Como Uribe já estava nomeado pelo Partido Liberal, funda o partido Oxigénio Verde e anuncia em campanha eleitoral que ia à selva colombiana falar com Manuel Marulanda, pois era ela quem ia resolver o conflito colombiano… Interceptada num posto de controlo das FARC foi mandada de volta e em paz. Faz uma 2ª tentativa em 23 de Fevereiro de 2002 e é, por fim, feita prisioneira…
Agora, uma vez resgatada e aparentando uma saúde digna de inveja, Ingrid logo se assumiu como apoiante de Uribe, e iniciou uma campanha humanitária pela libertação dos prisioneiros de guerra em poder das FARC, esquece as centenas de prisioneiros de guerra do Estado colombiano e afasta o intercâmbio humanitário dos prisioneiros das duas forças beligerantes.
Novos dados sobre Uribe
No seu livro há pouco lançado, “Amando Pablo, Odiando Escobar” (editora Random House Mondadori), Virgínia Vallejo, que foi diva colombiana dos anos 80 (hoje com 58 anos), apresentadora de TV, repórter, modelo, actriz e amante de Pablo Escobar durante cinco anos, é, seguramente, a mais incómoda testemunha contra Álvaro Uribe que, como Director da Aeronáutica Civil da Colômbia, e citamos, «concedeu dezenas de licenças para pistas de aterragem e centenas para aviões, helicópteros, com os quais se construiu toda a infra-estrutura do narcotráfico».
De Álvaro Uribe, Pablo Escobar costumava dizer que «se não fosse por esse bendito rapaz, teríamos de nadar até Miami para levar a droga aos gringos. Agora, com nossas próprias pistas, estamos preparados. É pista própria, aviões próprios, helicópteros próprios…».
Mas Virgínia Vallejo não refere apenas Pablo Escobar. Também cita Álvaro Uribe em confidência após a morte do pai, Alberto Uribe (1), num tiroteio com um comando das FARC: «Quem pensa que este [o narcotráfico] é um negócio fácil está muito enganado. É uma enxurrada de mortos. Todos os dias temos de enterrar amigos, sócios e parentes». E tão orgulhoso estava da saga dos narcotraficantes que não se coibiu a perguntar a Virgínia Vallejo se «estaria disposta a escrever sua história».
Com tudo isto, torna-se mais compreensível a afirmação que «o narcoestado sonhado por Pablo Escobar hoje está mais vivo que nunca na Colômbia».
A Luta das FARC
Sempre as FARC estiveram dispostas a estabelecer a paz e a fazer acordos políticos para uma Colômbia com Justiça Social.
Vinte anos depois de iniciada a luta armada, em 1984, durante a presidência de Belisário Betancur, foi assinado um acordo onde se previa a organização do movimento guerrilheiro em partido político, o que se concretizou em Maio de 1985, com o nome de União Patriótica (UP).
Mas se as FARC estavam de boa fé, tal não sucedia com o Estado terrorista da Colômbia e desde logo se desencadeou uma campanha de assassínios e massacres de que a polícia e tribunais nunca apuraram responsáveis.
«Centenas dos seus membros e simpatizantes foram assassinados no decurso de diversos massacres. No dia 11 de Novembro de 1988, por exemplo, quarenta militantes foram publicamente executados na praça central do município de Segóvia, no distrito de Antioquia. (…) Foram mortos centenas de presidentes de câmaras e representantes dos poderes locais, tendo ocorrido por vezes o assassinato sucessivo de quatro autarcas do movimento na mesma localidade» (2).
É pois natural que as FARC tenham definido «continuar o caminho traçado pelo inolvidável Comandante Manuel Marulanda Velez, isto é, o da política total, que é a luta estratégica pela tomada do poder pela via das armas e da insurreição com o que se chegará a um governo revolucionário, ou pela via das alianças políticas para a instauração de um governo verdadeiramente democrático, em consonância com a Plataforma Bolivariana pela Nova Colômbia» (3).
(1) Este foi pouco noticiado nos media, para que se não falasse da prova macabra material que Uribe exigiu ao assassino.
(2) Iván Cepeda Castro e Claudia Girón Ortiz, investigadores da Fundação Manuel Cepeda - Vargas, Santa Fé de Bogotá, in Monde Diplomatique, Maio de 2005.
(3) Entrevista a Ivan Marquez, membro do Secretariado das FARC, em 25 de Julho 2008, in anncol
In "O Diário.info"
Isto foi escrito em 24 de Janeiro de 2008: «(...)As primeiras guerrilhas na Colômbia surgiram em 1950 e até Setembro de 2001 nunca foram consideradas «terroristas». Que sucedeu a partir dessa data? George Bush desencadeou a sua guerra contra o terrorismo e o seu capataz colombiano pediu que fossem reclassificadas como «terroristas».
(...)
Será possível um acordo de pacificação na Colômbia? É indispensável, mas as experiências prévias não são boas e com Uribe as perspectivas não parecem ser melhores. Em 1982, outro presidente colombiano, Belisario Betancourt, iniciou um processo de conversações que, dois anos mais tarde, levou Manuel Marulanda a assinar um cessar-fogo e à libertação de vários sequestrados. Em troca, o governo comprometia-se a respeitar a vida legal de uma nova organização política: a União Patriótica, expressão civil das FARC. Não foi necessário passar muito tempo para ver que tudo terminou numa chacina. Os paramilitares e os sectores mais reaccionários das forças armadas colombianas fizeram o que melhor sabem fazer: fizeram desaparecer centenas de militantes da União Patriótica e assassinaram 1300 dirigentes, segundo a Comissão dos Direitos Humanos. Estes tempos uribistas não parecem oferecer melhores garantias.
(...)
Sabe o leitor quantos foram os jornalistas assassinados – nem vale a pena falar dos que tiveram de fugir do país por motivos políticos – entre 1993 e 2002? Um total de 1300 e só dois casos foram judicialmente esclarecidos. A situação actual não é melhor. No ranking da insuspeita organização Jornalistas Sem Fronteiras, a Colômbia aparece na posição 126 num total de 169 países. (...) Só em 2007, na Colômbia, segundo a mesma organização, foram assassinados três jornalistas e outros 10 ameaçados de morte.»
Neste contexto a morte de Raúl Reyes e dos seus companheiros tem um significado claro. Recorde-se que era através dele que se realizavam os contactos com os negociadores sobre as missões humanitárias envolvendo os reféns e os presos políticos. Assim como as discussões em busca de saídas políticas para o conflito colombiano. Quem manda assassinar um negociador? Obviamente quem não está interessado na paz e quer continuar o conflito.
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