Teletrabalho: está tudo louco?
Da ilusão e da mentira à realidade nua e crua
Por razões de curiosidade profissional tenho procurado ler e analisar muitos artigos de opinião, alguns com carácter mais ao menos técnico-científico, que se vão escrevendo sobre o teletrabalho.
Confesso que chego a pensar que os seus autores vivem noutro mundo e que estão a precisar urgentemente de descer à terra.
Este artigo do Fernando Sequeira «Teletrabalho: da ficção oportunista à realidade objetiva» vem dar cabal resposta a todas essas fantasias. e é de leitura obrigatória.
Para abrir o apetite à sua leitura obrigatória, aqui fica, a parte referente a exemplos concrectos que demonstram que esta forma de organização do trabalho não é o futuro agora anunciado por fazedores de opinião ao serviço dos interesses do capital.
«Relativamente aos meios de produção (objetos de trabalho e instrumentos de trabalho) e às formas de organização dos processos de produção, distribuição e comercialização da enorme diversidade de bens de consumo corrente e duradouro (e não esquecendo que para chegar a estes é necessário, a montante, produzir bens de equipamento e intermédios), eles são cada vez mais poderosos e especializados, exigindo uma cada vez melhor organização e melhores tecnologias verticais e horizontais, designadamente tecnologias da informação e da comunicação (TIC).
Vejamos situações concrectas:
Na indústria transformadora são sempre necessários uma vasta gama de máquinas, equipamentos e dispositivos e poderosas infra-estruturas (por exemplo, edifícios) para produzir tais bens.
Para alimentar a indústria transformadora é necessário ter a montante uma indústria extrativa. E é uma evidência, que qualquer mina, pedreira ou areeiro não «cabem» no domicílio de um qualquer teletrabalhador.
E como é possível, no domínio da construção de edifícios e da engenharia civil (construção de grandes infra-estruturas tais como: estradas, portos, aeroportos, vias de caminhos de ferro, barragens, pontes, etc.) concretizar as empreitadas, senão ”in situ”?
E no domínio do saneamento básico (recolha de resíduos, tratamento de águas residuais, etc.) são exigidas grandes infra-estruturas.
Poderão as pescas, a aquacultura e a apanha de bivalves, que têm sempre lugar na Natureza, seja no mar, seja em rias, lagunas ou lagos, ser metidas dentro do domicílio do teletrabalhador?
Assim também na agricultura, mesmo na familiar, na qual é sempre necessário a existência de significativas áreas de solo arável, máquinas agrícolas e infra-estruturas, e isto a multiplicar por dezenas de milhar de unidades agrícolas.
E de facto, também estas não «cabem» dentro do domicílio, pois que não estamos a falar de brincar à agricultura biológica na varanda, mas sim de alimentar com produtos agrícolas milhões e milhões de seres humanos.
E a pecuária? É uma evidência a necessidade de criarmos gado de diversas espécies, o qual precisa de campos para pastar.
E o mesmo se passa com a floresta e os seus múltiplos usos.
Mas, dir-se-á, isto são atividades da esfera produtiva, envolvendo somente cerca de 30% da população ativa.
Já com os serviços, então, porventura aí poderemos ter teletrabalho em grande escala?
Não de todo, exceto de forma residual e muito especializada.
Vejamos então porquê.
Comecemos pelo transporte coletivo de passageiros (comboios, metropolitanos, autocarros, barcos, táxis): será possível domiciliar estas atividades que envolvem dezenas de milhar de trabalhadores e por vezes poderosos meios materiais? Evidentemente que não.
E o transporte de mercadorias, seja por navio, seja por comboio, seja por camião, seja por avião, será também possível domiciliá-lo? Evidentemente que não.
E o comércio, seja por grosso, seja retalhista, não exige grandes superfícies comerciais, ou lojas de comércio tradicional, ou mercados e feiras e a montante deles grandes armazéns?
Então como se compaginará toda esta materialidade com o teletrabalho? Evidentemente que se não compagina.
E a restauração não necessita de restaurantes?
E a hotelaria? Como é possível atender e instalar os clientes senão em unidades hoteleiras?
E já agora, como se concretizarão as «pouco» importantes funções de Estado, como a saúde, a educação, a cultura, os diferentes apoios sociais, a segurança e a defesa, senão nos hospitais, escolas, universidades e institutos, teatros, quartéis de bombeiros, esquadras de polícia e postos da GNR?
Finalmente o fornecimento de eletricidade, sem o qual as sociedades modernas deixariam simplesmente de funcionar.
Pois que até o computador e a internet, que são a base do teletrabalho, só funcionam com eletricidade.
E esta é produzida em grandes centrais hidroelétricas, térmicas ou em parques eólicos e fotovoltaicos.
(,,,)
E então o que resta para o teletrabalho?
Primeiro: Em circunstâncias de normalidade económica, o teletrabalho, por não corresponder a nenhuma necessidade objetiva das sociedades, e ainda menos aos interesses dos trabalhadores, deverá ficar reduzido a uma dimensão residual.
Segundo: ao invés, é adequado relativamente ao exercício de determinadas profissões o recurso ao teletrabalho: projetistas de arquitetura e engenharias, especialistas de TIC, criativos de publicidade, consultores de organização e gestão, advogados, etc.
Numa outra perspetiva, é absolutamente natural o trabalho isolado, como em atividades culturais em que o indivíduo, isoladamente considerado, está no centro de processos criativos, tais como escritores, pintores, poetas, compositores musicais, etc.»
Sublinhados meus